O dia em que Joseph Blatter caiu de podre

É o fim anunciado de uma era na FIFA. Suíço de 79 anos será o foco das autoridades norte-americanas na investigação à corrupção no organismo.

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É o fim da linha para o homem que comanda o futebol mundial há quase duas décadas REUTERS/Ruben Sprich

Era uma daquelas ocasiões há muito aguardadas, que justificam ter espumante no frio para assinalá-las: Joseph Blatter anunciou que deixará a presidência da FIFA, apesar de ter sido reeleito para um quinto mandato consecutivo na liderança do organismo que tutela o futebol mundial há apenas quatro dias. Algo que o próprio fez questão de lembrar na declaração de renúncia, embora tenha admitido que deixara de sentir o apoio “dos adeptos, dos futebolistas, dos clubes, das pessoas que vivem, respiram e amam o futebol”. Pela primeira vez em muitos anos, abriu-se uma verdadeira perspectiva de mudança na FIFA. Blatter, cujo reinado durava desde 1998, tanto abanou que finalmente caiu. Mas a saga pode não ter terminado, porque informações publicadas pelo jornal The New York Times indicam que o suíço está no centro da investigação do FBI à corrupção no organismo.

Tudo se precipitou no dia em que vieram a público documentos que implicavam o secretário-geral da FIFA, Jérôme Valcke – o braço direito de Blatter – numa transferência de dez milhões de dólares (cerca de nove milhões de euros) feita em 2008 para uma conta controlada por Jack Warner. O então presidente da confederação da América do Norte, Central e Caraíbas, acusado de receber subornos para ajudar a África do Sul a ganhar a organização do Mundial 2010, foi detido na recente operação desencadeada pelas autoridades norte-americanas que investiga o escândalo de corrupção que abalou o organismo. Em jeito de esclarecimento, a FIFA frisaria que a transferência estava relacionada com o legado do Campeonato do Mundo e que Valcke não estava envolvido.

Aparentemente, era tarde demais e o princípio do fim de Blatter, o homem de quem se diz receber um salário mensal na ordem dos dois milhões de dólares (1,8 milhões de euros) e que ao longo das últimas décadas construiu uma teia de influências que lhe permitiu governar sem oposição o organismo que tutela o futebol mundial. Ao longo de todo este tempo, a sensação predominante em relação a Blatter era a de ser alguém intocável, por mais que se visse envolvido em escândalos, até porque a procuradoria-geral suíça explicou, na sequência da renúncia, que o dirigente “não está acusado de nada” e que “a demissão anunciada não afecta os procedimentos penais” em curso.

A saída do suíço de 79 anos não será imediata. Uma vez que o presidente da FIFA é eleito pelo congresso da organização e a próxima reunião ordinária está marcada para 13 de Maio de 2016, Blatter convocou um congresso eleitoral extraordinário para evitar o “atraso desnecessário”. “Vou instar o comité executivo a organizar o mais rapidamente possível o congresso extraordinário para a eleição do meu sucessor. Isto terá de ser feito de acordo com os estatutos da FIFA e deverá dar tempo a que os melhores candidatos se apresentem e façam campanha”, sublinhou.

Numa declaração que se seguiu à de Blatter, o líder da comissão de auditoria e fiscalização, Domenico Scala, apontou a realização do novo acto eleitoral para o período “entre Dezembro deste ano e Março do ano que vem”.

Até lá, o homem que há 40 anos começou a trabalhar no organismo que tutela o futebol mundial (dos quais 17 anos como presidente e outros 17 como secretário-geral), prometeu avançar com propostas para uma reforma profunda da FIFA: “A dimensão do comité executivo tem de ser reduzida (actualmente tem 27 elementos) e os seus membros deverão ser eleitos pelo congresso. O controlo de integridade para os membros do comité executivo deve ser organizado centralmente pela FIFA e não pelas confederações. Precisamos de limitar os mandatos não só do presidente mas também de todos os membros do comité executivo”, enumerou Blatter, acrescentando: “Lutei por estas mudanças antes e, como todos sabem, os meus esforços foram bloqueados. Desta vez, serei bem-sucedido.”

O discurso com que Blatter se apresentou perante os jornalistas, numa conferência de imprensa marcada à pressa e que começou com 45 minutos de atraso sobre a hora inicialmente prevista, significou a inversão total da posição do dirigente. Logo após ter sido reeleito, dizia à televisão suíça que o cenário de demissão não se colocava: “Porque haveria de sair? Isso significava reconhecer que tinha feito algo errado. Nos últimos três ou quatro anos lutei contra toda a corrupção, contra tudo o que é proibido. Mais de metade das pessoas que tomaram as decisões [sobre os Mundiais] já não está na FIFA”.

Aquilo que até há pouco tempo era difícil de imaginar está mais perto de tornar-se realidade: Blatter, o tragicómico homem-FIFA, vai ceder o trono do futebol mundial. O processo de limpeza e reconstrução será longo, mas poderá finalmente começar.

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