Lula foi um dos principais beneficiários de corrupção na Petrobras, diz Ministério Público

"Não devo e não temo", disse o ex-Presidente na sede do Partido dos Trabalhadores, depois de ter sido ouvido durante três horas na sede da polícia federal no aeroporto de Congonhas.

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Lula da Silva já na sede do PT: "Não devo e não temo" Nelson Almeida/AFP

“O país não tem mais uma pessoa intocável”, escreveu ontem a colunista do jornal O Globo, Miriam Leitão, reagindo à notícia que surpreendeu o Brasil bem cedo na manhã desta sexta-feira. Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-Presidente que tirou milhões de brasileiros da pobreza e conduziu o país a um pico de prosperidade económica, foi alvo de uma mandado de busca e apreensão realizado pela Polícia Federal e foi interrogado em São Paulo por suspeitas de envolvimento directo e lucro pessoal com a rede de corrupção que existiu durante anos na companhia petrolífera estatal Petrobras.

A operação Lava Jato, que desde Março de 2014, tem investigado o esquema ilícito que envolveu algumas das principais construtoras brasileiras, quadros da Petrobras e políticos de diferentes partidos, bateu literalmente à porta de Lula às seis da manhã. No seu despacho oficial explicando os motivos dessa acção, o Ministério Público (MP) afirma que o Lula “foi um dos principais beneficiários” dos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro que estão a ser investigados quando estava na presidência e que “possivelmente a sua influência foi usada antes e depois do mandato para que o esquema existisse e se perpetuasse”.

Segundo o MP, existem evidências de que Lula recebeu pagamentos dissimulados e vantagens indevidas das construtoras que estão a ser investigadas pela Lava Jato. Uma das suspeitas que recaem sobre o ex-Presidente diz respeito a um apartamento triplex num condomínio de luxo em Guarujá, no litoral paulista, que foi renovado e apetrechado com móveis de luxo custeados pela construtora OAS, cujos executivos foram condenados por corrupção e lavagem de dinheiro. O MP afirma que embora Lula alegue que o apartamento não era seu, “várias provas dizem o contrário”. Uma quinta em Atibaia, no estado de São Paulo, frequentada pelo ex-Presidente e a família, e que foi objecto de obras pela Odebrecht, construtora sob a mira da Lava Jato, também aparenta ser propriedade de Lula, apesar de estar em nome de terceiros.

O MP também afirma ter “fortes indícios” de que desde 2011 até agora, a OAS pagou 1,3 milhões de reais (cerca de 320 mil euros) pelo depósito de itens de Lula retirados do palácio presidencial quando o seu mandato terminou. Por fim, o despacho aponta que a maior parte das receitas de duas empresas de Lula entre 2011 e 2014 vieram das cinco maiores construtoras investigadas pela Lava Jato, num total de 30,7 milhões de reais (7,5 milhões de euros). No Instituto Lula, think tank sem fins lucrativos fundado após deixar a presidência, o financiamento dessas empresas representou 60% dos lucros nesse período; na LILS, empresa que geria as palestras que Lula realizava no estrangeiro, essas empresas estão na origem de 47% das receitas.

"Não devo e não temo"
Lula, 70 anos, foi levado para a sede da Polícia Federal (PF) no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, antes das nove da manhã, enquanto agentes continuavam as buscas na sua casa em São Bernardo do Campo. Prestou depoimento durante cerca de três horas e dali seguiu para a sede nacional do seu partido, onde falou aos militantes do PT (Partido dos Trabalhadores). “Não devo e não temo”, disse, num breve excerto gravado por telemóvel e divulgado na Internet em que critica a actuação do juiz Sergio Moro, que comanda a Lava Jato, e o Ministério Público. Lula garantiu que sempre esteve disponível para colaborar com os investigadores quando solicitado e que na sexta de manhã foram repetidas as mesmas perguntas a que já respondera em três depoimentos anteriores. “Estamos vivendo um processo em que a pirotecnia vale mais que qualquer coisa. O que vale mais é o show mediático do que a apuração séria e responsável que deve ser feita pela justiça”, afirmou. Mais tarde, nas suas primeiras declarações oficiais, disse que se tinha sentido um “prisioneiro” de manhã.

Enquanto prestava depoimento, chegou a especular-se que Lula poderia ser levado para Curitiba, no estado do Paraná, epicentro da Lava Jato onde os arguidos relacionados com a operação se encontram detidos. “Neste momento, as investigações não são conclusivas” a ponto de justificar a detenção preventiva de Lula, explicaram os procuradores da Lava Jato numa conferência de imprensa. Os advogados do ex-Presidente enviaram uma petição ao Supremo Tribunal Federal, criticando as “acções invasivas” da equipa da Lava Jato e pedindo que as investigações fossem suspensas.

Várias pessoas manifestaram-se à porta da sede da PF no aeroporto de Congonhas e frente à casa de Lula em São Bernardo do Campo, onde houve confrontos físicos entre apoiantes e detractores do ex-Presidente.

O filho mais velho de Lula, Fábio, conhecido como Lulinha, também foi alvo de buscas, bem como outras pessoas próximas do ex-Presidente, incluindo Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Uma empresa de Fábio terá recebido pagamentos do Instituto Lula e o MP procura apurar se houve uma “triangulação”, isto é, se o Instituto Lula serviu para dissimular pagamentos das construtoras à empresa de Fábio Lula da Silva. Os outros filhos de Lula e a sua mulher também estão a ser investigados.

Discursando na sede do PT, Lula disse: “Hoje nesse país, ser amigo do Lula parece que virou coisa perigosa”. Ele também sugeriu que está a ser vítima de perseguição política por causa do ressentimento das elites em relação aos avanços sociais e à ascensão das classes pobres promovidos durante os seus governos.

A mais recente fase da operação Lava Jato foi baptizada de Aletheia, um termo grego que significa verdade ou revelação. Ela teve lugar um dia depois de a imprensa brasileira revelar o depoimento de um senador do PT, Delcídio do Amaral, detido no âmbito da Lava Jato, em que ele acusa Lula de tentar comprar o silêncio de testemunhas detidas no âmbito do escândalo da Petrobras.

A sucessora de Lula na presidência, Dilma Rousseff, declarou o seu “mais absoluto inconformismo” pelo facto de Lula ter sido “submetido a uma desnecessária” intimação sob escolta policial para prestar depoimentos — que é uma medida prevista no processo penal para fazer comparecer alguém que foi chamado a depor e não cumpriu a ordem. Dilma esperou até ao meio da tarde para se manifestar oficialmente sobre o caso, apesar de ter convocado os principais ministros do seu executivo para uma reunião de emergência no Palácio do Planalto de manhã. Na sua declaração, a Presidente apenas comentou brevemente a acção da Lava Jato contra Lula e procurou sobretudo refutar e defender-se das revelações de Delcídio do Amaral, divulgadas na véspera, que a acusam de tentar influenciar as investigações sobre o esquema de corrupção na Petrobras.

 

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