Os votos de protesto foram os brancos e os nulos, que duplicaram este ano

Sesimbra, Cascais e Palmela lideraram abstenção, mas é na subida dos votos brancos e nulos que os politólogos mais vêem a expressão do descontentamento do eleitorado.

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Nunca houve um valor de abstenção tão elevado numas autárquicas: este ano, 47,4% dos eleitores inscritos não votaram. Os votos nulos e brancos atingiram também valores recorde, passando para o dobro dos valores registados nas últimas eleições.

Contaram-se quase 190 mil votos brancos (3,87%) e 145 mil votos nulos (2,95%). Sesimbra, Cascais e Palmela foram os três municípios com maior abstenção na votação para as câmaras (rondaram os 61%); Lajes das Flores, Arronches e Barrancos foram os que tiveram menos (entre 17% e 21%).

“Alguns observadores previam que os factores da crise, austeridade e perda de poder de compra pudessem inverter a situação através do voto de protesto, aumentando a participação eleitoral”, aponta o politólogo António Costa Pinto ao PÚBLICO. “Mas viu-se que o aumento da abstenção é um aumento progressivo, que não reage às conjunturas da crise.”

Vários factores podem justificar o aumento. Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS), aponta três. “Primeiro, o facto de a campanha não ter tido cobertura pela televisão”, visto ser a principal fonte de consumo de informação política, diz. Os dados do recenseamento eleitoral são o segundo factor. “São de baixa fiabilidade, que pode ter diminuído com o crescimento da emigração.”

Segundo o PÚBLICO estimou, a discrepância entre os números de eleitores inscritos nos cadernos eleitorais (9.502.301) e de cidadãos residentes em Portugal com mais de 18 anos (8.607.8539) inflaciona a taxa de abstenção, significando à partida uma taxa de 9,4%.

Em terceiro e último lugar, "as subvenções aos partidos e as despesas de campanha diminuíram, diminuindo assim também a capacidade de mobilização dos candidatos”.

Há outro factor de ordem estrutural que pode levar um cidadão a não ir às urnas: "A percepção de que a atitude de votar muda pouco, de que o voto muda pouco”, aponta Costa Pinto. Essa pode ser uma justificação para o facto de o descontentamento não ter diminuído a abstenção.

Também Paula Espírito Santo, docente no ISCSP, diz que as causas podem estar associadas "a fenómenos de distanciamento (com destaque sistemático para o eleitorado jovem) em relação aos centros de decisão política, neste caso de base local, o qual motiva o desinteresse e a apatia eleitoral”.

Voto de protesto contra os partidos
Contrariamente à tendência nas últimas autárquicas, de 2009, este ano houve um aumento dos votos nulos e brancos para o dobro. Os votos brancos tinham atingido em 1979 o valor mais baixo: 45 mil (1% do total de votos). Ao longo do tempo sofreram alterações, mas desde 2005 que vinham a diminuir. "Este é um voto que não expressa alienação, mas protesto contra os partidos”, diz Costa Pinto.

A subida também pode ser vista, segundo Pedro Magalhães, como um “sinal de desafeição em relação à oferta política existente”, lembrando que o aumento é comum ao que acontece nas legislativas. “Pode ter sucedido também que, nalguns casos, eles sejam expressão de protesto em relação ao processo de reorganização administrativa e suas consequências”, aponta o investigador do ICS, lembrando, no entanto, que ainda não existem estudos sobre o assunto que permitam tirar conclusões.

Comparando os níveis de abstenção das autárquicas com outras eleições, em que a proximidade não é tão significativa, vê-se que os máximos foram atingidos nas Europeias em 1994 (64,5%) ou nas Presidenciais em 2011, com uma taxa de abstenção de 53,5%.

Pedro Magalhães considera que a proximidade “pode, eventualmente, contar”, mas lembra que também conta a competitividade das corridas às câmaras. “Apesar de a nossa atenção se dirigir sempre para as câmaras mais competitivas, a maioria das corridas são pouco competitivas, tendo fortes favoritos e, assim, poucos incentivos à participação.” 

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