Mundial 2014: o trampolim do Brasil para se aproximar do primeiro mundo do turismo

Receber um grande campeonato de futebol tem coincidido com aumento imediato do número de turistas. Uma das excepções foi Portugal, no Euro 2004.

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Organizar um grande evento desportivo é sinónimo de receber mais turistas? Sim, responde John Kester, director de Tendências e Estratégias de Marketing da Organização Mundial de Turismo (OMT), que analisou todas as edições dos Jogos Olímpicos e dos Mundiais de futebol realizados entre 1980 e 2012. Em quase todos os casos, no ano em que organizaram um destes eventos, os países em causa receberam mais turistas e/ou aumentaram as receitas turísticas.

O México (Mundial 1986), os Estados Unidos da América (1994) e a China (Jogos Olímpicos 2008) foram algumas das excepções, segundo os dados revelados pela OMT, já que, nos três casos, não houve subida do número de visitantes, nem tampouco de receitas para os cofres nacionais.

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O PÚBLICO alargou a análise aos Campeonatos da Europa de futebol e Portugal aparece neste retrato como o único exemplo de um país que, nos últimos 16 anos, não recebeu mais turistas no ano em que organizou um Europeu ou Mundial de futebol: registaram-se 11,7 milhões de entradas de turistas internacionais em 2003, número que caiu para 10,6 milhões no ano seguinte, justamente quando decorreu o Euro 2004. Ainda assim, as receitas turísticas aumentaram 5,9% de 2003 para 2004, segundo dados compilados pelo Banco de Portugal.

“A regra tem sido que nos países emergentes aumentam quer o número de visitantes, quer as receitas. Nos países mais consolidados, normalmente não aumenta, ou não cresce muito, o número de  visitantes, porque perdem turistas habituais e ganham os turistas específicos do evento, mas normalmente aumentam as receitas, porque os operadores cobram preços mais elevados durante esse período”, explicou ao PÚBLICO John Kester, afirmando que, numa análise feita a médio e longo prazo, se verifica um crescimento turístico desses países, seguindo a tendência internacional.

Recuperar terreno
O Brasil é dado como exemplo de um país que pode tirar claros benefícios da organização de um Mundial. É que — apesar de ser o quinto maior país do mundo, em população e área — está longe do topo, quando se trata de comparar números do fluxo turístico. Em 2012, ocupava o 45.º lugar entre as nações com mais turistas internacionais, tendo recebido 5,7 milhões de estrangeiros, bem menos, por exemplo, do que os 7,7 milhões que visitaram Portugal. Nesse sentido, o Mundial de futebol que hoje chega ao fim, no Rio de Janeiro, é visto como um trampolim para o Brasil se aproximar do primeiro mundo do turismo, liderado pela França, que contabilizou 83 milhões de entradas em 2012.

“Fechámos 2013 com seis milhões de turistas, o que é muito pouco. Desejamos que a ‘Copa’ sirva para aumentar esse valor”, disse ao PÚBLICO Vicente Neto, presidente do Instituto Brasileiro de Turismo. Numa entrevista telefónica, o líder da Embratur fez um balanço positivo do impacto que o Campeonato do Mundo está a ter no sector.

“O número de turistas que entraram com ingresso confirmado pela FIFA, cruzado com dados da Polícia Federal sobre turistas nos aeroportos e com a estimativa sobre a travessia nas fronteiras terrestres, ultrapassou já 400 mil visitantes nas duas primeiras semanas”, revelou Vicente Neto, afirmando que se deverá confirmar a previsão de aproximadamente 600 mil turistas internacionais durante o período do Mundial 2014. É um progresso, já que os meses de Junho e Julho representam aquilo a que se chama “época baixa” no Brasil.

“EUA, Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai, Peru e, para surpresa nossa, Austrália foram os países que enviaram mais turistas”, acrescentou Vicente Neto, referindo que também se devem confirmar as projecções de um impacto de 6700 milhões de reais (cerca de 2200 milhões de euros) na cadeia de turismo e de 30 mil milhões de reais (9900 milhões de euros) no produto interno bruto brasileiro. Números que já tinham sido contestados pelo economista brasileiro Fernando Ferreira, que em Março disse ao PÚBLICO que o impacto do Mundial “na economia brasileira, como um todo, é quase marginal, atendendo ao tamanho” da economia do país.

John Kester acredita que “as pessoas estão mais abertas para o Brasil do que estavam” antes do Mundial e antevê um crescimento do número de visitantes europeus, porque não precisam de visto de entrada no país. “As taxas de câmbio, importantes para os argentinos e uruguaios, e a questão dos vistos [exigidos para cidadãos dos EUA e Canadá] são outros aspectos com impacto”, acrescenta.

Mesmo sabendo-se que há efeitos positivos no turismo, continua a colocar-se a questão de perceber se compensa organizar um grande evento como este. “Durante um mês, fala-se constantemente deste evento em todo o mundo. É quase impossível ter esta exposição de outra forma”, aponta John Kester. Mas a questão é se compensa.
Se esta é a melhor maneira, ou a mais vantajosa, de fazer crescer o turismo de um país? “É difícil responder. Uma boa parte do investimento fica para o futuro, como os aeroportos, as estradas, o investimento nos recursos humanos, mas para uma prova destas é preciso construir grandes estádios. No fim, é preciso fazer contas. Muitas vezes compensa, mas isso depende de como se organiza”, acrescenta Kester.

Para sustentar esta tese, o responsável da OMT avança o exemplo da Alemanha, que qualificou mais de meio milhão de trabalhadores na área do turismo para receber o Mundial 2006 e viu o número de turistas internacionais crescer de 19 milhões, em 2000, para um total de 30 milhões, em 2012. Já a Grécia registou uma tendência diferente: depois de ter organizado os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, viu cair o número de turistas nesse ano, apesar de ter acusado um ligeiro crescimento das receitas. “Fiquei com a sensação de que a Grécia poderia ter aproveitado melhor”, diz Kester.

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