15 filmes para não esquecer Veneza

As escolhas do nosso crítico no festival de cinema de Veneza.

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Boi Neon de Gabriel Mascaro dr
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11 Minutes de Jerzy Skolimowski dr
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Rabin, the Last Day de Amos Gitai dr
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Un Monstruo de mil Cabezas de Rodrigo Plá dr
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A Rapariga Dinamarquesa de Tom Hooper dr

1
Boi Neon
De Gabriel Mascaro
(Horizontes)

O prazer de descobrir os corpos como coisa ainda a acontecer: é esse o projecto do cineasta do Recife, que intercepta nas vaquejadas do Nordeste brasileiro, misto de rodeo, feira agrícola, desporto e espectáculo de electrónica e forró, uma realidade em mutação, económica, social e culturalmente. Tudo se afigura novo e o mundo de possibilidades desestabiliza estereótipos. A impossibilidade de fixar os afectos e papéis dentro da família deste filme molda a sua potente sensualidade.

2
11 Minutes
De Jerzy Skolimowski
(Concurso)

Há realizadores especialistas na pornografia da redenção, usando as “histórias cruzadas” para fabricar uma epifania. Este podia ser esse tipo de filme – várias personagens e uma praça de Varsóvia - e por isso Skolimowski rebenta com ele. Se há alguma coisa à espera, não é a redenção, é a destruição. É  o que vibra nos 11 minutos da vida de personagens que se cruzam, colam ou interceptam pela energia que desencadeiam, como motivos, linhas de força abstractas. Isso culmina no mais electrizante a apocalíptico final visto por aqui - já não há sequências de acção assim, e este nem sequer era um action movie.

3
Rabin, the Last Day
De Amos Gitai
(Concurso)

Amos Gitai disse que filmou Rabin, the Last Day não apenas como realizador, mas também como cidadão israelita. Filme híbrido, misturando material de arquivo, episódios reconstituídos e entrevistas, tudo a partir dos tiros de Yigal Amir que mataram Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, no dia 4 de Novembro de 1995, é impulsionado por um movimento coral, que implica realizador e actores. É um, trabalho sobre a memória e sobre o presente, é uma obra grave, solene, plúmbea. E é o anti-docudrama.

4
Montanha
De João Salaviza
(Semana da Crítica)

Salaviza continua embalado pela infância e adolescência, como nas suas anteriores curtas-metragens. Mas aqui eleva-se num cume rarefeito de jogos entre a exposição cruel à luz e a protecção das sombras, lugar onde as personagens se sentem protegidas. É um filme de um sereno esplendor – abstracto, se não tivermos medo da palavra. Utiliza o bairro dos Olivais, em Lisboa, como cenário para a cavalgada (anti-)heróica de um adolescente que testa o território em busca de um sopro épico que nunca (lhe) acontece.

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5
Mate-me por Favor
De Anita Rocha da Silveira
(Horizontes)

Mate-me Por Favor, pede o título da primeira longa-metragem de Anita Rocha da Silveira. Que excitação com a morte, com o sangue, com o sexo, com estas meninas de um bairro do Rio de Janeiro, a Barra da Tijuca, onde os condomínios gradeados protegem os habitantes dos baldios à espera de mais torres e dos Jogos Olímpicos de 2016. À espera também de serem violentados – e assim acontece, com cadáveres a aparecerem por ali dia sim, dia não, e elas, as raparigas, tão excitadas com o cheiro do sangue. O filme cheira-o, também, e começa a fantasiar, a desregrar, a cantar. Se Boi Neon, do também brasileiro Gabriel Mascaro, foi o filme mais excitante do festival, Mate-me Por Favor foi o mais excitado.

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6
In Jackson Heights
De Frederick Wiseman
(Fora de concurso)

Eis Jackson Heights, bairro de Queens, Nova Iorque, um concentrado de vários mundos em algumas ruas, eis vários grupos que se movimentam, organizam, agem para tentarem travar a gentrificação que ameaça uma rede humana e social. O afecto do cineasta, disfarçado às vezes com ironia e quase sempre com reserva, forma de controlar o cepticismo, vai para as pessoas: a derrota não se exclui, mas o movimento é tudo o que temos.

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7
Desde Allá
De Lorenzo Vigas
(Concurso)

O que é que é bonito nesta primeira longa-metragem de um cineasta venezuelano? A forma como a intimidade das relações – a sofreguidão de Elder, um rapaz das ruas de Caracas, a frieza de Armando, um quarentão homossexual que engata mas não permite que lhe toquem – está irreversivelmente impregnada pela luta de classes. E como Lorenzo Vigas se revela um preciso observador dessa ferocidade social e de uma, não menos desesperada, história de amor.

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8
Heart of a Dog
De Laurie Anderson
(concurso)

Um cão é um animal empático, e o coração de Heart of a Dog é a empatia. Leva-nos com ele. A presença de Laurie Anderson foram várias lições de empatia na cidade de Veneza, dentro e fora do filme. Filme-ensaio hipnótico continua o que a performer faz nas performances: histórias, imagens e a música do violino. E aqui, ainda, referências privadas, a mãe e os irmãos, Lou Reed, o seu companheiro, num todo que não podia ser menos narcísico. E Lolabelle, o cão, que morreu e que sabia tocar piano. Sai-se daqui tocado pela possibilidade de as palavras darem forma ao mundo.

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9
Behemoth
De Liang Zhao
(Concurso)

As minas de carvão e ferro são o sinal de um monstro bíblico: aí os corpos são para queimar e o sacrifício humano possibilita as gigantescas cidades fantasmas que povoam a paisagem rural de uma Nova China. Como os seus compatriotas Jia Zhang-ke ou Wang Bing, Liang Zhao olha para os vestígios de humano que sobram com o desenvolvimento económico. Mas o seu escândalo, perante a catástrofe, leva-o a dar um passo em frente: sobre o documentário, a alegoria.

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10
Un Monstruo de Mil Cabezas
De Rodrigo Plá
(Horizontes)

A história é a de uma mulher desesperada com o facto de o marido, canceroso, não poder ter acesso a um medicamento que aliviará o seu sofrimento – por causa dos acordos, um pacto negro, entre a medicina e as seguradoras que enriquecem os interesses dos seus agentes. Perante o esquecimento a que é votada, a mulher investe, pistola em punho. E Rodrigo Plá investe um argumento, que tem tudo para ser de denúncia social, de uma ferocidade que é libertadora. Insinua um sentido de pesadelo (e de humor), esmera-se na construção plástica da realidade como laboratório de experiências humanas, coloca a coisa na série B. Foi o verdadeiro filme-catástrofe, juntamente com o de Skolimowski.

 
11
L'Hermine
De Christian Vincent
(Concurso)

O actor Fabrice Luchini interpreta, com ferocidade histriónica, um juiz que transforma o anfiteatro da justiça num palco de teatro. “Encena” a peça, “dirige” os actores, atribuiu-lhes lugares na história e até convida o público a saber o que se passa nos bastidores. História de amor com floreado social em fundo (tintada a metafísica) ou filme social adocicado pela hipótese que é dada ao amor entre duas personagens na idade madura? Não se sabe por onde começar, é essa a graça do filme.

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12
Helmut Berger, Actor
De Andreas Horvath
(Veneza Classicos)

Filme-choque, decididamente. A “musa” de Luchino Visconti, presença que passeou a sua beleza escandalosa no jet set internacional dos nos 70, é hoje um homem de 70 anos rodeado pelos seus fantasmas – Luchino, Romy Schneider... – num apartamento de Salzburgo. O dinheiro desapareceu, com ele os amigos. Mas Helmut ainda se crê Ludwig. Horvath não consegue sequer entrevistá-lo, este é um filme impossível, o retrato de um “casal” que não chega a sê-lo, que rompe, com agressões físicas, antes mesmo da cópula – Helmut bem quer, diz ele que todo o Visconti só aconteceu porque o sexo estava metido, e propõe: “Can I give you a blow job?”. O crepúsculo de um semi-deus.

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13
Anomalisa
De Charlie Kaufman e Duke Johnson
(Concurso)

Charlie Kaufman escusa-se a falar sobre os filmes sempre que sente que estão a pedir-lhe que os explique, mas por mais excêntrica que seja a postura, este é o menos anómalo dos seus filmes: um pedaço de intimidade que não se apoia em excentricidade, sem adereços, descarnadamente humana. Técnica de animação stop motion ao serviço do existencialismo. Está para os outros filmes de Kaufman como o Fantastic Mr. Fox , também filme “de bonecos”, para os de Wes Anderson: reencontro rarefeito com o núcleo de uma obra.

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14
A Rapariga Dinamarquesa
De Tom Hooper
(Concurso)

O actor Eddie Redmayne é um sereníssimo espectáculo (quase feliz, quase infantil, e “quase” porque a história é de dor...) como Einar Wegener, que nos anos 30, com a cumplicidade da mulher, se transformou em Lili Elbe, uma das figuras pioneiras do transgender. Mas este não é o filme de um desafio transformista por parte de um actor. E Hooper transcende o provincianismo, o decorativismo, manda até para trás o decoro e concentra-se de forma intensa numa história de amor. Este é o filme sobre o desafio de um casal.

 
15
Per Amor Vostro
De Giuseppe Gaudino
(Concurso)

Este é uma história de amor absoluta, sem recuo, sem tréguas – e sem possibilidade de não aderir a ela, também - entre um realizador e actriz que escolheu para interpretar a personagem do filme, Valeria Golino. Gaudino filma Valeria como uma presença total, corpo e imagem susceptível de todas as intervenções gráficas. Ela pode ser tudo, ela é tudo, mulher que resgata a sua coragem ao milieu familial napolitano, figura santificada, o espírito de uma terra vulcânica e uma funcionária, num studio televisivo, submissa. É um filme excessivo, desequilibradíssimo, mas o surrealismo é cheio de “lata” porque se apresenta sempre como tentativa imperfeita, gesto a marimbar-se para o resultado. Mas o amor por Valeria é enorme.

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