Os Jogos Olímpicos terminaram e os conflitos desportivos continuam

O Jogos do Rio de Janeiro foram – ate à data – aqueles que mais conflitos desportivos e problemas jurídicos originaram.

Agora que chegámos ao final dos Jogos Olímpicos (JO), podia-se facilmente concluir que esta competição desportiva teria o lugar que a História muito naturalmente se encarregaria de lhe reservar. Existe, porém, um aspecto que ainda não foi devidamente considerado e que se prende com a pendência de um conjunto de conflitos desportivos, em particular, no domínio da dopagem e que perpassa este evento desportivo no Rio de Janeiro.

Na verdade, os JO acabaram, mas ainda não terminaram as “batalhas jurídicas” que neles suscitaram e que envolvem ainda um número considerável de atletas junto do Tribunal Arbitral du Sport (TAS). Não sabemos, por exemplo, ainda se os resultados desportivos podem ou não vir a ser modificados (não nos referindo aqui, naturalmente, ao recurso de Aurelie Muller que envolvia uma questão técnica), consoante se prove (ou não) a dopagem de alguns dos atletas que participaram nos JO. 

De resto, é de assinalar que os JO do Rio de Janeiro foram – ate à data – aqueles que mais conflitos desportivos e problemas jurídicos originaram. Percebe-se facilmente que assim seja: a polémica que envolveu a suposta dopagem de Estado dos atletas russos terá contribuído decisivamente para esse facto. É certo, igualmente, que os JO terminam, mas, em breve, começam os Jogos Paralímpicos trazendo com eles a polémica (e os problemas jurídicos) da dopagem dos atletas russos.

Neste sentido, não é despiciendo analisar o caso que envolveu os atletas Yelena Isinbayeva e Sergey Shubenkov para percebermos o alcance e a importância do Direito no Desporto. Recuperando sumariamente o contexto que motivou o conflito: os referidos atletas encontravam-se entre as várias dezenas de atletas que foram considerados inelegíveis pela IAAF para os JO na decorrência da suspensão da federação desportiva russa de atletismo pela IAAF em Novembro, decisão que foi, consequentemente, “validada” a 21 de Julho de 2016 pelo TAS. 

A sentença arbitral do TAS – proferida antes do início dos JO – pode ser, em regra, objecto de impugnação (em termos muito limitados) para o Tribunal Federal Suíço (TFS) e pode, em condições excepcionais, existir, igualmente, um controlo do mérito da causa pelo TFS.

O mais interessante é que Yelena Isinbayeva e Sergey Shubenkov propuseram uma acção junto do TFS a 4 de Agosto, em que a título cautelar pediam que a acção tivesse um efeito suspensivo e, deste modo, o TFS ordenasse (i) que a IAAF não os excluísse da participação nos JO; (ii) que a federação desportiva russa e o Comité Olímpico Internacional (COI) tomassem todas as medidas necessárias para permitir a sua participação nos JO.

A resposta ao pedido dos atletas foi negativa a título cautelar, sendo agora aguardada a decisão final. O TFS argumentou: (i) que, tendo em conta que o COI determinou a necessidade de cumprimento de um conjunto de requisitos para a admissibilidade da participação dos atletas russos a 24 de Julho de 2016 e havendo, por outro lado, um comité responsável para validação da lista de atletas admitidos na competição (e cuja alteração já não era possível desde 5 de Agosto de 2016), a circunstância de terem esperado quase quinze dias para propor a acção junto do TFS implica aceitarem que esta situação jurídica é imutável; (ii) que os atletas não conseguiram demonstrar de forma convincente que cumpriam as condições impostas pelo COI.  

A argumentação do TFS permite, desde logo, uma observação: qual o sentido da propositura de uma acção junto do TFS se, posteriormente, não poderá ser possível obter desta qualquer consequência jurídica? Na verdade, esta é, a nosso ver, uma questão fundamental que deve nortear as ponderações relativamente ao sistema de protecção jurisdicional no âmbito da dopagem.

Neste contexto, merece, igualmente, uma referência a já manifestada intenção de Thomas Bach de anunciar a necessidade de uma reforma ao sistema transnacional de regulação de antidopagem. 

Em primeiro lugar, parece adequado e coerente pensar-se em melhorar o sistema que existe, podendo, por exemplo, apostar-se num reforço de meios da Agência Mundial de Antidopagem (AMA). 

Em segundo lugar, não é inteiramente claro qual o papel a atribuir ao COI e às federações internacionais no combate à dopagem e nos esquemas de regulação transnacional. Como ficou parcialmente demonstrado, um sistema de regulação muito dependente destas entidades pode não ser o mais adequado. 

Em terceiro lugar, entendemos ser digno ponderar se deve ou não haver um mecanismo de protecção acrescido para o whistleblowing, algo que parece não ter ocorrido no caso de Yuliya Stepanova que denunciou o alegado caso de dopagem de Estado na Rússia. Como é sabido, segundo a comunicação da AMA de 13 de Agosto, existiu um ataque informático – não imputável à AMA – ao sistema de administração e gestão de antidopagem (ADAMS), permitindo aceder à conta da atleta (que contém informações pessoais) por parte de terceiros, obrigando alegadamente a uma mudança forçada da residência da atleta. São, portanto, relevantes os problemas que envolvem a protecção da privacidade dos atletas – em particular aqueles que denunciam esquemas de dopagem – devendo, na verdade, ser bem discutidos e analisados em qualquer futura reforma da regulação da dopagem.

Em suma, é perfeitamente possível afirmar que os JO do Rio de Janeiro foram “quentes” em termos jurídicos, mas ainda não terminaram.

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