As conclusões da conferência do clima mais decisiva desde o Acordo de Paris tardam em chegar

Enquanto a negociação sobre as conclusões da COP24 ainda decorre, soube-se que a cimeira das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas do próximo ano é no Chile.

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Acção da Greenpeace durante a conferência do clima na Polónia ANDRZEJ GRYGIEL/Lusa

O encerramento da cimeira das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP24) a decorrer em Katowice (Polónia) estava marcado para esta sexta-feira. Portanto, as conclusões da conferência do clima mais decisiva desde a COP21 – em que se estabeleceu o Acordo de Paris – também eram esperadas para hoje. Mas a chegar-se a um consenso, só será no fim-de-semana. Por agora, a COP24 tem sido marcada pelo boicote de quatro países – todos exportadores de petróleo – ao relatório de Outubro do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) e pela elaboração de um manual de regras para concretização do Acordo de Paris.

Esta sexta-feira definiu-se também que a próxima cimeira das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas – a COP25 – será no Chile de 11 a 22 de Novembro de 2019, após a desistência da candidatura do Brasil. A Costa Rica era o outro país candidato a receber a conferência.

O sítio onde a conferência se realizou era simbólico. Katowice é uma cidade que cresceu devido à exploração do carvão. “O ar cheira a carvão”, comenta Filipe Duarte Santos, físico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e que participou na COP24. “Está na região da Polónia mais rica em carvão e é surpreendente que se tenha escolhido esta cidade para se fazer a conferência.” Mas, por exemplo, se em 1980 havia 12 minas de carvão a funcionar lá, hoje restam só duas. “O carvão contribuiu em grande parte para a riqueza desta região.” Do ponto de vista da liderança da COP, o físico nota que a Polónia não tem tido o mesmo empenho e preocupação do que a França teve em 2015, na COP21.

E a grande ambição era que esta fosse a COP mais decisiva desde 2015. “É a mais decisiva e, por isso, é que é tão fundamental saber os resultados que vamos ter”, considera Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero e professor da Universidade Nova de Lisboa, que também está a participar na conferência.

Afinal, agora havia um timing para que as respostas dos 197 países que participam na conferência fossem fortes: em Outubro foi apresentado o relatório do IPCC sobre os impactos da subida da temperatura em 1,5 graus Celsius até ao final do século XXI face à era pré-industrial. “O relatório diz o que é preciso fazer, diz que é possível se o aumento for só de 1,5 graus Celsius e quais os efeitos se, em vez disso, aumentar dois graus. Temos a ciência a dar-nos argumentos”, afirma Francisco Ferreira. Ou seja, havia um relatório a alimentar as decisões desta COP.

E este relatório tem alimentado as decisões durante a conferência? Filipe Duarte Santos assinala mesmo o boicote dos Estados Unidos, Rússia, Arábia Saudita e Kuwait como um dos momentos mais significativos da cimeira. No último fim-de-semana, esses quatro países rejeitaram apoiar o relatório e afirmaram que apenas “tomaram nota” da sua existência. “É um sinal preocupante. O relatório mostrava que havia toda a vantagem que se fizesse a transição energética o mais rapidamente possível e, aparentemente, esses quatro países estão a transmitir que não estão interessados nem disponíveis para fazer a transição dos combustíveis fósseis para outras formas de energia e para uma maior eficiência energética”, considera o físico.

Três tópicos decisivos

Além da inflexibilidade destes quatro países, a COP24 tem sido marcada pela discussão e negociação de três tópicos: a regulamentação do Acordo de Paris, o financiamento dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento e a ambição da redução dos gases com efeito de estufa de cada país até e após 2020.

Quanto à regulamentação do Acordo de Paris, no final da conferência surgirá um manual de regras para verificar e pôr em prática (melhor) esse acordo. “Uma coisa foi os países apresentarem compromissos voluntários de redução das suas emissões, mas é necessário passar à prática e saber como esses países estão efectivamente a fazer essas redução, assim como saber se as medidas que prometeram se estão a verificar”, refere Filipe Duarte Santos.

O físico exemplifica um aspecto que poderá ser posto em prática com este manual: a China pode disponibilizar-se a permitir que peritos estrangeiros verifiquem as suas reduções de emissões e que vejam que medidas estão a tomar, tal como acontece periodicamente em Portugal quando os especialistas do secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas verificam o inventário de emissões, certificam-se se o país está a reduzi-las e de que forma o está a fazer. 

“O manual especificará uma série de artigos que estão presentes no Acordo de Paris”, frisa Francisco Ferreira. O presidente da Zero indica que, por exemplo, é diferente que os países façam um artigo genérico a comunicar quais as suas emissões ou que façam um relatório anual mais detalhado. “[Este manual] tem os detalhes da concretização do Acordo de Paris. No livro de regras pega-se em cada um dos artigos e parágrafos do Acordo de Paris e especifica-se o seu conteúdo.”

Num documento de 144 páginas elaborado pela presidência da COP, e que tem sido distribuído aos países com “os elementos que farão parte das decisões da conferência”, pode já ler-se o rascunho das decisões desse manual inserido no capítulo sobre a execução do Acordo de Paris. Uma das decisões é, por exemplo, o “Enquadramento da Tecnologia conforme o Artigo 10, paragrafo 4 do Acordo de Paris”.

O financiamento dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento para que estes mitiguem e se adaptem às alterações climáticas é outro dos capítulos do documento (e um dos temas mais discutidos durante a conferência). “Acima de tudo é sobre garantirmos se atingimos os 100 mil milhões de dólares por ano a partir de 2020 [já definidos no Acordo de Paris]”, refere Francisco Ferreira. Já Filipe Duarte Santos acrescenta que nestes países se incluem, por exemplo, os arquipélagos do Pacífico e do Índico que estão sujeitos à subida do nível médio do mar.

Além destes dois capítulos, constam no documento outros capítulos sobre a ambição dos países em mitigar as emissões de gases com efeito de estufa até e após 2020; um reconhecimento do papel do relatório do IPCC; ou a cimeira do clima das Nações Unidas que o seu secretário-geral, António Guterres, vai organizar em 2019.

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António Guterres na COP24 Kacper Pempel/Reuters

Aliás, António Guterres foi uma das vozes da COP24 na última quarta-feira. “Perder esta oportunidade poria em causa a nossa última oportunidade para deter a mudança do clima. Não só seria imoral, como suicida”, defendeu num discurso perante o plenário da cimeira. “As questões políticas-chave continuam por resolver. Não é surpreendente. Estamos conscientes da complexidade do trabalho, mas estamos a ficar sem tempo.”

Uma coligação climática

Francisco Ferreira adianta ainda que há várias falhas nas conclusões que têm sido discutidas, o que tem preocupado as organizações não-governamentais (ONG). “Acima de tudo, há uma falha: não há um compromisso claro que fortaleça a necessidade de reduzir as emissões em todos os países em 2020 de forma a estarem alinhados com os objectivos do relatório do IPCC”, diz. “E não há linhas orientadoras sobre como os governos devem implementar os compromissos à escala nacional.”

Francisco Ferreira diz que gostaria de ter ouvido o anúncio de vários países sobre os seus compromissos na cimeira. Mesmo assim, destaca que isso aconteceu na quarta-feira com a União Europeia que se comprometeu a reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa até 2030.

Nesta COP, formou-se também uma coligação de países que se comprometeram a estabelecer metas mais emergentes para 2020, 2030 e no futuro. Chama-se Coligação de Grande Ambição, tem a participação de mais de 20 países e Portugal faz parte. Aliás, Portugal apresentou esta semana na conferência o roteiro do Governo para a neutralidade carbónica em 2050, onde esteve presente o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes.

Mas por que estão atrasadas as conclusões da cimeira? “Tem sido muito difícil negociar depois da posição dos quatro países. Puseram uma linha vermelha que tem sido difícil de ultrapassar”, assinala Francisco Ferreira. Depois, as expectativas dos países não são as mesmas. E indica: “O Governo polaco não quer ceder internamente em termos políticos a muita da sua ligação com o carvão. E, em termos de expectativas da própria conferência, a sensação que temos é que ficará muito satisfeito só com as regras do Acordo de Paris.” Francisco Ferreira diz que, além das regras, os países devem ter ambição de reduzir os gases com efeito de estufa. A Polónia acabou mesmo por ser escolhido como “fóssil colossal”, uma distinção das ONG para os países que sejam um obstáculo a um bom resultado final.

“São conferências anuais e é um processo muito difícil, essencialmente por causa da resistência da indústria dos combustíveis fósseis a uma transição energética”, considera Filipe Duarte Santos. Enquanto os países continuam a discutir e a acertar os conteúdos da decisão final, o presidente da Zero, em plena conferência, ilustra-nos: “Aqui já tudo se está a desmontar, mas o mais importante ainda está para vir.” Aguardemos.

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