Cristóvão Colombo terá sido um corsário português chamado Pedro Ataíde?

Uma equipa de investigadores do Instituto Superior Técnico de Lisboa e da Universidade de Coimbra vai realizar exames ao ADN de esqueletos que estão num túmulo de uma quinta em Vila Franca de Xira. Análise vai esclarecer se Cristóvão Colombo foi um corsário português chamado Pedro Ataíde

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Réplica da caravela Santa Maria REUTERS/US Library of Congress
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Estátua de Cristóvão Colombo, em Madrid, Espanha REUTERS/Paul Hanna

Se existisse um género chamado policial histórico este enredo seria um dos seus melhores exemplos. Aqui, persegue-se um navegador que, pelos mares, chegou às Américas. É tudo o que podemos dizer sem entrar em grandes discussões. Porque tudo o resto parece discutível. Cristovão Colombo transformou-se num homem com mil caras. Já foi um tecelão genovês, um bastardo português, grego ou espanhol (catalão ou galego?) e muitos outros estrangeiros num só homem. A confusão é imensa e o próprio Cristovão não ajudou. Ele que nunca quis que se falasse nas suas origens e que nunca assinou o seu nome em nenhum documento. Agora, há mais uma acha na acesa discussão.

Fernando Branco mergulhou numa história com séculos que é um dos mais intrigantes mistérios da época dos Descobrimentos. O engenheiro civil e investigador no Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa persegue as origens de Cristóvão Colombo com uma persistência e bom humor que dificilmente os cálculos de engenharia lhe conseguiriam arrancar. Tanto que, em 2012, escreveu um livro com o título “Cristóvão Colón, Nobre Português”. Aí, o investigador defende que o navegador foi um corsário português chamado Pedro Ataíde, apresentando mais de meia centena de pontos comuns entre os dois. Actualmente, espera apenas uma autorização para abrir os túmulos da família dos Ataídes, em Castanheira do Ribatejo (Vila Franca de Xira). As análises ao ADN, que serão da responsabilidade da antropóloga forense Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, podem provar que estava correcto. Ou desmenti-lo.

Enquanto conta a sua história da História, Fernando Branco ri. É evidente que a investigação sobre as origens e vida do famoso navegador Cristóvão Colombo lhe dá muito gozo. O investigador ri das “trapalhadas” de outros tempos, das muitas teorias dos dias de hoje, dos outros e de si próprio. Mas sabe que isto não é uma brincadeira. Desde há muito tempo que historiadores e investigadores discutem sobre as origens do navegador que descobriu as Américas. Até hoje, não foi encontrada nenhuma prova ou documento que não deixe, pelo menos, uma pequena margem para dúvidas.

Na biografia Historia del almirante Don Cristóbal Colón escrita pelo seu filho Fernando (ou Hernando), esconde-se a sua origem. O filho de Colombo justifica que o pai não queria que se soubesse onde nasceu. O mais importante seriam os seus feitos na História. O espaço em branco imposto pelo próprio Cristóvão Colombo acabou por ser preenchido com a narrativa mais popular de que será italiano, mais especificamente um genovês nascido em 1451. Mas a versão que prevaleceu está longe de ser consensual.

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Cristóvão Colombo DR

“Hoje sabe-se perfeitamente que esse Cristóvão Colombo genovês [Cristoforo Colombo] era um tecelão, sempre foi um tecelão e não pode, de maneira nenhuma, ser o almirante porque se conhecem as histórias de ambos. Felizmente. E desde a data de nascimento até ao que fez durante a vida há coisas completamente incompatíveis. Portanto, hoje em dia mesmo os historiadores italianos reconhecem que a probabilidade de ele ser esse genovês é praticamente nula, OK?”, esclarece Fernando Branco. Mas se não era genovês, era o quê? “Apareceram ‘n’ países a dizer que ele era desses países. Temos Cristóvãos Colombos desde a Grécia até não sei onde. Porque há sempre pequenos indícios que se podem ligar ao que se conhece de Cristóvão Colombo. Há teorias desde ele ser galego até ele ser de Barcelona.” E, claro, há também teorias (umas mais recentes e outras nem tanto) que falam na possibilidade de ser português. Como a de Fernando Branco.

O engenheiro apaixonou-se pelo tema por um acaso. Como, aliás, acontece na maior parte das paixões. “Foi um livro do José Rodrigues dos Santos, O Codex 632. É um livro em que ele põe a hipótese de o Cristóvão Colombo ser português e que ele escreveu à volta do que antes já tinha defendido Mascarenhas Barreto [investigador, romancista e tradutor]”, conta ao PÚBLICO. “Depois comecei a ler. Há muita coisa escrita. Uma pessoa pegando no livro do Mascarenhas Barreto percebe logo que há muita coisa que não bate certo”.

Segundo explica, Mascarenhas Barreto defende que Cristóvão Colombo foi um filho bastardo de D. Fernando, irmão de D. Afonso V. Mas, considera Fernando Branco, “Mascarenhas Barreto meteu água”. “Foi muito boa pessoa, que estudou muito, descobriu muita coisa, mas, neste caso, falhou redondamente. A base é que não há documento nenhum que prove que o D. Fernando tenha tido um bastardo”, aponta o investigador do IST.

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Investigador Fernando Branco DR

Mas há outras teorias, lembra. “Há ainda a hipótese de um luso-americano, Manuel Rosa, que é ainda mais rebuscada. Ele diz que houve um imperador da Polónia ou Lituânia que a história diz que morreu numa batalha contra os turcos mas que ele diz que, afinal, não morreu nada mas que veio para Portugal e teve um filho chamado Segismundo [que terá nascido em Cuba, no Alentejo]. Diz ainda que a única coisa que se sabe é que esse filho morreu a andar de barco, levou com o mastro em cima, mas o Manuel Rosa diz que ele não morreu e que se transformou no Cristóvão Colombo”, resume. E conclui: “Ele [Manuel Rosa]construiu toda uma história muito gira. Já lhe disse: como romance histórico, ganhas a todos”. E ri.

No barco desta aventura rumo a um Cristóvão Colombo português está também “a teoria dos irmãos Mattos e Silva que dizem que era mais um filho bastardo de uma irmã de D. Afonso V”. Ou a versão do livro de Manuel Luciano da Silva e da sua mulher, Sílvia Jorge da Silva, que coloca o navegador a nascer em Cuba, no Alentejo, e que inspirou o filme de Manoel de Oliveira “Cristóvão Colombo, o enigma”.

60 coincidências?

Durante mais de uma hora, a partir de uma primeira pergunta sobre a sua hipótese das origens portuguesas de Cristóvão Colombo, Fernando Branco conta ao PÚBLICO as muitas histórias que existem à volta da vida do navegador. A animada e interessante conversa com o investigador começa assim: “Escrevi o primeiro e único livro sobre esta hipótese em 2012. E, portanto… conhece a história? A minha história basicamente aponta para que o Cristóvão Colombo possa ter sido um corsário português chamado Pedro Ataíde. Mas, começando pelo princípio…”

E do princípio até ao fim, a história navega por vários cantos do mundo, cheia de personagens, quase sem interrupções, sem que seja preciso fazer mais perguntas. Desde o testamento que provava que Colombo era genovês e que afinal seria falso, até batalhas de corsários em barcos nos mares do Sul de Portugal, ao homem morto por um mastro que lhe cai em cima e que afinal não morreu, a pormenores como Cristóvão colombo falar português, nunca assinar com o nome dele mas, antes, preferir uma assinatura encriptada (ainda à espera de ser decifrada) que se resume a X po Ferens.

“Quando andei à procura de quem foi o ‘meu’ Cristóvão Colombo, comecei por definir quais eram as coisas-base que essa personagem, se fosse português, tinha de ter. E há, à partida, uma coisa que é muito importante. Cristóvão Colombo teve dois irmãos”.

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Assinatura de Cristóvão Colombo Adriano Miranda

Assim, sublinha, quando pensamos num Cristóvão Colombo português, temos de arranjar, pelo menos, três pessoas. “Quando entramos em bastardos, já não chega arranjar um bastardo, temos de arranjar três bastardos”, diz. Além dos irmãos é também preciso encontrar “alguém que tem uma história de mar significativa”. Tem ainda de ser uma pessoa ligada à nobreza, acrescenta, enumerando as pistas. “As famílias de nobreza, as principais, estão todas representadas no tecto do palácio de Sintra, onde estão todos os brasões daquela altura. Eu costumo dizer que um destes brasões há-de estar ligado ao Cristóvão Colombo. Se ele for português.”

Mas há mais. “Ele tem de ser solteiro ou viúvo em 1479 porque é o ano em que casa com a sua esposa portuguesa”, adianta. E com estas pistas, Fernando Branco procurou um “suspeito”. “Há uns anos reparei – não fui eu que descobri, já vários autores o descobriram – que há um texto escrito por um historiador dos reis católicos, um professor catedrático em Salamanca, que diz claramente num livro que quem descobriu a América foi um indivíduo chamado Pedro Colón”. Eis o Pedro.

A referência à existência de um Pedro Colón é feita por mais historiadores, de Gaspar Frutuoso a Diogo do Couto (que escreveu com João de Barros as Décadas da Ásia). “Fui à procura de um indivíduo chamado Pedro Colón. Só há um documento que o refere. É um corsário que aparece numa folha de pagamentos do D. Afonso V. E bem pago, curiosamente.” Existem crónicas que dão Pedro Colón como morto numa violenta batalha nas águas do mar, a sul de Portugal, em Agosto de 1476, e que ficou conhecida como Batalha de S. Vicente. Mas Fernando Branco acredita que o tal corsário não morreu ali, que se salvou a nado. “Não sei se o Rui de Pina (cronista que descreveu esta batalha), por alguma razão, ou se enganou ou mentiu, mas é muito estranho que no preciso instante em que desaparece um Pedro Colón nasce um Cristóvão Colombo”.

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Tecto da Sala dos Brasões no Palácio de Sintra, onde Fernando Branco acredita estar o brasão da família de Cristóvão Colombo Miguel Manso

“O livro que escrevi foi a vida deste Pedro Ataíde, que é uma pessoa que ninguém conhece, obviamente. Era um indivíduo da alta nobreza, era um descendente de almirantes portugueses… Encontrei 60 indícios comuns entre a vida deste Pedro Ataíde e a vida do Cristóvão Colombo. Sessenta pormenores comuns à vida dos dois.” Por exemplo? “O Cristóvão Colombo, quando regressa da América da primeira viagem, pára na ilha de Santa Maria, nos Açores, onde estava um indivíduo que o conhecia muito bem e que se chamava João da Castanheira. Colombo escreve isso no seu diário. Como é que o conhecia? Ora, o João da Castanheira era o senhor João da povoação da Castanheira. Castanheira do Ribatejo, que é a terra dos Ataídes, onde vivia o Pedro Ataíde.”

Fernando Branco tem mais argumentos para sustentar a sua hipótese. Mas, tal como muito outros historiadores, não tem qualquer documento que sirva de prova. Faltam documentos e por isso é preciso juntar peças de um puzzle construído com crónicas escritas há séculos, cartas supostamente escritas pelo navegador ou a ele dirigidas e muita imaginação. “Em Portugal, não há um único documento que refira o Cristóvão Colombo”, confirma o investigador.

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Convento de Santo António na quinta em Castanheira do Ribatejo DR

O plano para provar a tese

Agora, o plano é usar o resultado de análises feitas a uma parte dos ossos que pertencerão a Cristóvão Colombo e que estarão guardados em Sevilha e comparar estes dados com exames ao ADN dos esqueletos que estão na Quinta de Santo António, em Castanheira do Ribatejo, onde a família dos Ataídes os enterrou.

“Do Pedro Ataíde não tenho esqueleto, nem ADN, nem nada. Porque ele ou se transformou em Cristóvão Colombo e está em Sevilha ou ficou no fundo do mar durante a Batalha de S. Vicente”, refere Fernando Branco, acrescentando: “Mas tenho… espero vir a ter, o ADN quer de um tio dele por via masculina, quer de um primo direito dele, uns Ataídes que estão no panteão dos Ataídes em Castanheira do Ribatejo”.

Fernando Branco vai tentar obter o ADN de António Ataíde (que seria primo direito de Pedro) e de Alvaro Ataíde (tio) e comparar com o ADN de Fernando, filho do Cristóvão Colombo. O processo até conseguir a autorização da Direcção-Geral do Património Cultural para abrir os túmulos daquela família é uma (outra) longa história. “Quando fui mesmo ao túmulo para tentar abrir, percebi que aquilo é extremamente complexo. Basicamente é uma caixa, mas tem em cima três tampas sobrepostas e cada uma pesa quase uma tonelada. É um problema de engenharia civil, que é a minha profissão.” Foi preciso fazer alterações ao projecto que obrigaram a um novo pedido dirigido à DGPC. Agora só falta esta derradeira autorização para abrir o túmulo, algo que Fernando Branco espera que aconteça no próximo mês de Outubro. Mas nunca se sabe. “Quando isto for aberto, é aí que entra a professora Eugénia Cunha, que vai lá tirar os ossinhos para se tentar obter o tal ADN.”

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Capela da família Ataíde, em Castanheira do Ribatejo DR

 “Na prática, ainda não fiz nada. A minha participação no projecto é enquanto antropóloga forense e física. Cabe-me retirar os restos ósseos do túmulo e analisá-los. Ou seja, actuarei enquanto perita numa área muito específica: a análise do esqueleto e também na recolha de amostras ósseas para enviar para a análise genética”, confirma Eugénia Cunha. Com o túmulo fechado com três pesadas tampas em cima, está tudo em aberto. Não sabemos o que lá está nem como está. A análise depende disso. “Os corpos podem estar esqueletizados, mumificados, fragmentados, reduzidos a fragmentos. Pode haver vestígios de roupas e/ou objectos. Será determinado o número de indivíduos presentes no túmulo e feita a sua individualização. Posteriormente, cada um será analisado com vista ao conhecimento do sexo, idade à morte, origem geográfica e estatura. Também será efectuada a perscrutação de eventuais doenças”.

O que é que pode correr mal? “A fragmentação extrema dos ossos, a má preservação dos restos humanos.” Mas, então, é possível que as provas recolhidas não forneçam uma resposta sobre a hipótese de Fernando Branco? “Podemos recolher ossos masculinos e com um perfil idêntico ao esperado e não se conseguir extrair material genético. Sim, neste caso não se conseguiria uma resposta para a hipótese formulada. Se o túmulo estiver vazio, também não.”

Se reconstruir um passado já parece um exercício tão complexo, não adianta sequer tentar fazer qualquer previsão de futuro. A única coisa que parece certa é que a discussão sobre as origens de Cristóvão Colombo vai continuar e que este navegador liderou a frota conhecida pela descoberta da América, como nos contam os nossos livros de História. Ou será que também isso é discutível? No seu túmulo em Sevilha, Cristovão Colombo terá deixado um pedido por escrito. “Espero não ser confundido eternamente”.

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