Ensino universitário antes e depois do coronavírus

Estender a possibilidade de uma educação universitária de qualidade a todos, em todo o mundo, poderá ser, porventura, a acção humanitária e democrática mais relevante deste século.

No ensino universitário, tal como em tantas outras áreas, haverá o antes e o depois da crise do coronavírus. Nada será como dantes, pois vieram para ficar as boas práticas que estão hoje a ser adquiridas pelos milhões de alunos e milhares de docentes que em todo o mundo estão em aulas domiciliárias aproveitando os numerosos recursos de ensino online já existentes. Esta crise está a privilegiar o ensino à distância e a dar destaque os recursos muitas vezes desenvolvidos por youtubers, empresas e aficionados, amiúde sem a qualidade desejada.

Mais do que nunca, as universidades precisam de acompanhar esta tendência e se reinventar, adaptando-se ao século XXI, em que todo o conhecimento está à distância de um clique, em que existem muitos recursos educativos, mas ainda poucas formas estruturadas e profissionais de ensino não presencial. As universidades portuguesas colaboram muito entre si, mas estão tradicionalmente habituadas a só partilharem os recursos com os seus alunos, os professores universitários são valorizados pelo número de aulas presenciais e as instituições competem pelo número de alunos que pagam propinas, estando frequentemente pouco dispostas a partilhar os seus docentes sem contrapartidas.

Mas imagine o cenário em que muitas das aulas são online e gratuitas, dadas pelos melhores profissionais, com horários e calendários flexíveis. Cenário em que qualquer jovem ou adulto possa ter ensino universitário que está aberto a todos que desejam aprender, independente do seu historial escolar, da sua proveniência, nacionalidade, localização, ou capacidade de pagar propinas.

Nas universidades estrangeiras que já adotaram este ensino, a frequência não-presencial é aberta e gratuita mas os diplomas apenas são passados, perante pagamento, àqueles que cumprirem os exames, práticas laboratoriais e exercícios presenciais, com preços praticados internacionalmente equivalentes aos das propinas das universidades públicas portuguesas. Uma reforma tecnológica como esta continua a exigir dos alunos e docentes muita presença pessoal, mas fica mais reservada para as avaliações e exercícios, actividades de laboratório, saídas de campo, idas à biblioteca, visitas de estudo, aulas extra para dúvidas, aulas de elevada complexidade técnica ou de equipamentos, aulas avançadas para mestrados e doutoramentos, ou para alunos com necessidades especiais.

Esta estratégia não levará a menos professores nem menos emprego docente, pois estes são necessários a criar conteúdos pedagógicos com qualidade para muitos níveis de exigência e línguas diferentes: aulas online e presenciais, filmes, apps, páginas de Internet, livros, artigos, fóruns, debates, exercícios, avaliações, formas inovadoras de avaliação, pedagogias alternativas, além de orientarem alunos e articularem todos estes conteúdos. Os docentes seguramente não terão menos trabalho, mas privilegiar-se-ão pedagogias diferentes e técnicas avançadas de educação.

Estas duas últimas semanas mostram que os professores têm a capacidade de se adaptar muito rapidamente a cenários como este.

Os professores poderão porventura dedicar mais tempo a ensinar e investigar na sua área de especialização, em vez de repetir os mesmos conteúdos mais básicos em todas as classes, todos os anos, da mesma forma que podem aproveitar também a especialização de outros colegas numa maior colaboração entre instituições. Não há razão para que um professor da Universidade Nova de Lisboa não dê conteúdos para alunos da Universidade do Minho ou dos Açores, sem que isso seja visto como uma competição. Afinal, as universidades públicas portuguesas partilham a mesma missão – ensinar – e entidade patronal: o Estado português. Mas colaboração pode-se estender para uma universidade em Luanda, Xangai, ou qualquer outra parte do mundo.

O ensino remoto tem ainda a vantagem de permitir levar a educação avançada a milhões de jovens e adultos de países desfavorecidos. Estender a possibilidade de uma educação universitária de qualidade a todos, em todo o mundo, poderá ser, porventura, a acção humanitária e democrática mais relevante deste século. Esta situação já está a ser uma realidade e é ampliada pela inteligência artificial, ameaçando as estratégias tradicionais. Ou as universidades portuguesas se reformam muito rapidamente para um ensino de qualidade que seja abrangente e modernizado; ou serão ultrapassadas pela tecnologia ao dispor de qualquer youtuber. Já está a acontecer e o erro poderá ser o de não aproveitar a boleia trazida pela pandemia do coronavírus.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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