Imagens mostram os danos cerebrais de recém-nascidos com microcefalia

Investigações vindas do Brasil reforçam relação entre o vírus Zika e os problemas de malformação congénita do cérebro, que já afectaram 1113 recém-nascidos naquele país.

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Os mosquitos da espécie Aedes aegypti são vectores do vírus Zika Jaime Saldarriaga/Reuters

Quem anda a seguir de perto a epidemia do vírus Zika está a testemunhar, passo a passo, os caminhos que a ciência tem feito para compreender a biologia deste agente patogénico, a sua interacção com o corpo humano e as consequências para os doentes infectados pelo vírus. Nas últimas semanas, vários artigos científicos apoiaram a ligação entre a infecção do Zika em grávidas e o desenvolvimento de microcefalia nos fetos. Um novo estudo faz uma descrição dos danos no cérebro de recém-nascidos com microcefalia associada à infecção de Zika nas mães.

O trabalho, publicado na revista The BMJ, analisou 23 bebés nascidos no estado de Pernambuco, no Brasil, diagnosticados com microcefalia entre Julho e Dezembro de 2015. Durante a gravidez, 22 das 23 mães tiveram erupções cutâneas – um dos sintomas mais comuns da infecção do vírus Zika, que em muitos casos é completamente assintomática. Em seis dos bebés detectaram-se anticorpos contra o Zika. Em todos eles descartaram-se outras infecções que poderiam causar microcefalia, como a toxoplasmose, o citomegalovírus, a rubéola, a sífilis e o VIH.

Para sete dos 23 recém-nascidos obtiveram-se imagens do cérebro por tomografia axial computorizada (TAC) e ressonância magnética, outros 15 só fizeram apenas TAC e um fez apenas imagens de ressonância magnética. A equipa, liderada por Maria de Fátima Aragão, do Centro Diagnóstico Multimagem, do Recife, encontrou no cérebro de todos os 23 recém-nascidos sinais de calcificação. A hipótese para este fenómeno é a deposição de cálcio nos locais onde o Zika destrói as células do cérebro, criando-se assim uma espécie de cicatriz de cálcio.

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Imagens sagitais obtidas por tomografia axial computorizada que mostram a desproporção do cérebro em relação à cabeça de recém-nascidos com microcefalia BMJ 2016

Os cientistas encontraram em muitos casos deformações na região do córtex, diminuição do volume cerebral, um subdesenvolvimento do cerebelo (região importante para o controlo do movimento) e um atraso na mielinização dos neurónios – a mielinização permite que a informação se propague normalmente pelos neurónios. Este cenário complexo encontrado pela equipa “indica um prognóstico pobre para a função neurológica” nestes recém-nascidos, admitem os autores no artigo.

O número de casos de microcefalia associados ao Zika no Brasil é de 1113, de acordo com dados divulgados nesta semana pelo Ministério da Saúde do Brasil, segundo a agência Reuters. Esta é uma das possíveis consequências mais graves da epidemia deste vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, que está a infectar pessoas no Brasil pelo menos desde Janeiro de 2015.

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Para perceber melhor os efeitos do vírus no sistema nervoso dos fetos em crescimento, uma segunda equipa, liderada por Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, infectou minicérebros humanos com o Zika. Estes minicérebros, bolinhas com cerca de meio milímetro de diâmetro, foram criados em laboratório a partir de células estaminais neuronais humanas, responsáveis pela produção de células nervosas durante o desenvolvimento embrionário do cérebro.

Os cientistas observaram que o vírus infectava as células, multiplicava-se nelas e destruía-as. O resultado, ao fim de alguns dias, é que estes minicérebros não se desenvolviam numa bolinha redonda, eram mais pequenos e deformados, segundo o artigo da equipa de Stevens Rehen na revista Science. O Zika pertence ao género dos Flavivirus, tal como o vírus da febre da dengue. Mas o vírus da dengue, apesar de também ter infectado as células estaminais neuronais durante a experiência, não as destruiu nem condicionou o crescimento dos minicérebros.

Para os autores, estes resultados “reforçam o corpo de provas que relaciona o surto de vírus Zika ao cada vez maior número de relatos sobre malformações cerebrais congénitas no Brasil”.

 

Texto corrigído às 18h15 de 14 de Abril de 2016: A revista onde o estudo foi publicado chama-se The BMJ e não The BJM como estava escrito.

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