OMS: ainda é cedo para dizer que o novo coronavírus é uma emergência global

Vírus já levou à quarentena de várias cidades e ao cancelamento de grandes eventos do Ano Novo Lunar chinês. Mais de 600 pessoas estão infectadas. Daqui a dez dias, pelo menos, peritos da OMS reanalisam a situação.

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Pessoas com máscaras numa loja dedicada ao Ano Novo Lunar chinês, em Taiwan RITCHIE B. TONGO/EPA

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que ainda é demasiado cedo para dizer que o novo coronavírus com origem na China é uma emergência global de saúde pública. A decisão acaba de ser tomada depois de uma segunda reunião do comité de emergência da OMS em Genebra, na Suíça. Enquanto isso, a China está em suspenso: várias cidades chinesas estão em quarentena, o que atinge já mais de 20 milhões de pessoas. Grandes eventos de celebração do Ano Novo Lunar chinês foram cancelados.

“Hoje [quinta-feira] não vou declarar uma emergência global de saúde pública. Tal como ontem [quarta-feira], o comité de emergência esteve dividido”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da OMS na conferência de imprensa. A decisão foi tomada depois de na quarta-feira o comité de emergência não ter chegado a uma conclusão e ter prolongado a reunião durante mais um dia.

“Esta é uma emergência na China, mas ainda não se tornou uma emergência global de saúde. A análise de risco da OMS refere que o surto é muito elevado na China e que tem um elevado risco a nível regional e global”, frisou o director-geral. Mesmo assim, realçou que o facto de não se declarar emergência global não significa que a OMS não considere a situação grave ou que não a esteja a levar este surto a sério. “A OMS está a seguir [o novo coronavírus] a cada minuto e a cada dia, a nível nacional, regional e global. Estamos a trabalhar para evitar a transmissão de humano para humano.”

Tedros Ghebreyesus também se mostrou preocupado com os relatos de casos suspeitos reportados pelos órgãos de comunicação social: “Esses casos ainda estão a ser investigados.”

Sobre o novo coronavírus, assinalou que, embora cause sintomas leves, pode tornar-se numa doença grave. Aliás, 25% dos casos foram considerados graves. Também esclareceu que a maioria das vítimas mortais tinha outras doenças associadas como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares que enfraquecem o sistema imunitário.

Sublinhou ainda que a OMS está a trabalhar “dia e noite” com a China e com os outros países afectados. Tal como na quarta-feira, voltou a elogiar a China pelas medidas que tem posto em prática, pela cooperação e transparência. “O Governo [chinês] isolou e sequenciou com sucesso o vírus de forma muito rápida e partilhou os dados com a OMS e a comunidade internacional.”

Quanto às restrições, a OMS (por agora) não recomenda grandes restrições nas viagens internacionais ou no comércio. “[Só] recomendamos rastreio à saída dos aeroportos como parte de um conjunto abrangente de medidas de controlo [e nas províncias chinesas afectadas].” Todos os países devem ainda ter medidas para detectar casos do novo coronavírus.

Além disso, informou que foram dadas orientações a todos os países para que identifiquem e controlem o vírus. “Estamos completamente empenhados em acabar com este surto assim que possível. E não hesitarei em reunir de novo o comité assim que ache necessário.”

Na conferência de quarta-feira, a OMS já tinha esclarecido que há provas de que a transmissão acontece de pessoa para pessoa, mas que ainda não há provas de que isso ocorra de forma sustentada, ou seja, de que se formam cadeias de transmissão da infecção que vão progressivamente originando casos secundários ou terciários. Agora esta quinta-feira Tedros Adhanom Ghebreyesus reforçou que não há, de facto, provas de que tenha existido transmissão entre humanos fora da China, mas que isso não significa que não tenha acontecido. Referiu ainda que não se sabe qual é a origem do surto, não se percebe com que facilidade se transmite o vírus ou as quais são as suas características clínicas.

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Funcionários de saúde acompanham doente que pode estar infectado com o novo coronavírus, em Hong Kong Reuters

O comité de emergência da OMS apelou a que haja uma resposta coordenada através de uma missão internacional e multidisciplinar da OMS e de especialistas nacionais. Essa missão deve investigar a fonte do novo coronavírus, o grau de transmissão de pessoa para pessoa, rastrear outras províncias da China que ainda não foram afectadas ou reforçar as medidas de controlo. “A missão deverá dar informação à comunidade internacional para a ajudar na compreensão da situação e o seu potencial impacto na saúde pública”, lê-se num comunicado sobre as duas reuniões dos peritos.

O comité de emergência diz estar preparado para voltar a reunir-se em “aproximadamente dez dias” ou até mais cedo se assim for necessário. O comité deixa ainda alguns “pedidos” para a China, como a melhoria da identificação de casos noutras partes do país e que continue a partilhar todos os dados com a OMS. Para os restantes países, apela-se à sua preparação e partilha de informação.

O Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças considera que há uma “probabilidade moderada de importação de casos nos países da União Europeia” e que probabilidade de transmissão secundária é baixa desde que sejam cumpridas as práticas de prevenção e controlo da infecção. A Comissão Europeia também já disse que está a acompanhar a situação de forma “bastante próxima” e a coordenar medidas que possam ser necessárias.

Uma emergência global de saúde pública é declarada quando há “uma situação excepcional que é determinada por constituir um risco público de saúde para outros Estados devido à transmissão internacional da doença e por, potencialmente, necessitar de uma resposta coordenada a nível internacional”, refere a OMS. Ou seja, significa que, nesse caso, a situação é considerada grave, repentina, inesperada e requer uma acção imediata a nível global.

Nos últimos tempos, a OMS declarou emergência global de saúde pública em 2019 devido ao surto do vírus do ébola na República Democrática do Congo; em 2016, com o vírus Zika; em 2014, no anterior surto de ébola na África Ocidental; em 2014, com a poliomielite; e em 2009, na gripe suína.

O mundo ficou alerta com o novo coronavírus a 31 de Dezembro de 2019 quando a representação da OMS na China foi informada de casos de uma pneumonia de causa desconhecida na cidade de Wuhan, na província chinesa de Hubei. A 1 de Janeiro foi encerrado um mercado de peixe e animais vivos em Wuhan, onde o surto começou por ser detectado. Embora se suspeite que o novo coronavírus tenha surgido de venda ilegal de animais desse mercado, ainda não se sabe a sua origem. A OMS indicou que é provável que a fonte seja animal.

Da quarentena à vacina

Até agora, o novo coronavírus – um grupo de vírus que causa infecções respiratórias em humanos e animais e é transmitido por via aérea ou por contacto físico – já infectou mais de 600 pessoas e foram registadas 18 mortes (17 em Hubei e uma na província de Hebei). Além de já estar espalhado por grandes centros populacionais chineses como Xangai, Macau, Hong Kong e Pequim, o vírus atravessou fronteiras e foram detectados casos na Tailândia, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, EUA, Singapura e no Vietname.

O receio de que o vírus se espalhe ainda mais é agravado pelas festividades do Ano Novo Lunar chinês e das viagens que centenas de milhões de pessoas fazem para o festejar. Por isso, grandes festividades do Ano Novo chinês já foram canceladas. Pequim cancelou algumas das celebrações e encerrou a Cidade Proibida. Macau desmarcou as suas festas oficiais. Hong Kong já tinha cancelado a sua parada de ano novo devido aos protestos e agora optou por não realizar o torneio de futebol do ano novo.

As autoridades chinesas decidiram pôr várias cidades em quarentena. Wuhan, que tem aproximadamente 11 milhões de habitantes. Todos os voos e transportes públicos foram cancelados. “A quarentena de 11 milhões de pessoas é inédita na história da saúde pública”, disse Gauden Galea, representante da OMS em Pequim, citado pela agência Reuters. Apesar de as autoridades pedirem calma, houve uma corrida aos supermercados e bombas de gasolina. “Hoje, por volta das 10h [hora local], todas as fronteiras da cidade [de Wuhan] foram fechadas. Não era permitido que as pessoas saíssem. Não sabemos até quando isto irá durar”, descreveu à BBC um médico em Wuhan. “Não há medicação antiviral, só podemos tratar os doentes de forma sintomática – ao diminuir a febre e com boa hidratação.”

Em Huanggang (onde vivem cerca de sete milhões pessoas) encerraram-se transportes públicos, cinemas e outros espaços com concentração de pessoas. As pessoas foram incentivadas a não sair da cidade. Em Ezhou (um pouco mais de um milhão) suspenderam-se as linhas de comboio. Com mais de um milhão de habitantes, Xiantao também cancelou transportes e eventos. Já as cidades mais pequenas de Chibi e Lichuan suspenderam os seus transportes públicos. Todas estas povoações se localizam na província de Hubei. O Ministério das Finanças chinês anunciou que atribuiu mil milhões de iuans (cerca de 130 milhões de euros) para ajudar a combater o surto naquela província.

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Estações de comboios fechada em Wuhan, na China YUAN ZHENG/Reuters

As autoridades de saúde chinesas estão a acompanhar quase 6000 pessoas que mantiveram um contacto próximo com pessoas infectadas. O período de incubação do vírus pode estender-se até 14 dias, de acordo com a Comissão Nacional de Saúde da China. Wuhan também está a montar um hospital só para tratar estes doentes, que se espera que esteja pronto em seis dias, noticiou o jornal chinês Beijing News. Os passageiros que chegam de Wuhan têm sido rastreados em aeroportos de todo o mundo. Segundo a Reuters, muitos chineses já cancelaram as suas viagens.

Hong Kong também já transformou dois campos de férias em áreas de quarentena para pessoas que possam ter estado em contacto com o vírus. Em Portugal, a Direcção Geral da Saúde informou que eventuais casos suspeitos serão encaminhados para os hospitais de São João (adultos e crianças), no Porto, e Curry Cabral e Dona Estefânia, em Lisboa.

Esta quinta-feira, a Aliança para Inovações de Prontidão para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês) anunciou que três diferentes equipas de investigação vão tentar desenvolver vacinas contra o novo coronavírus. O grande objectivo é que comecem em Junho os ensaios clínicos para, pelo menos, uma das vacinas.

As equipas de investigação terão diferentes abordagens: uma será liderada pela empresa farmacêutica Moderna em conjunto com o Instituto Nacional para Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA; outra pela empresa Inovio; e a terceira por uma equipa da Universidade de Queensland, na Austrália. “Não há garantias de sucesso, mas esperamos que este trabalho seja um passo significativo e importante no desenvolvimento de uma vacina para esta doença”, afirmou Richard Hatchett, director-executivo da CEPI.

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