Quando o coração se veste a rigor

A vila de Moreira de Cónegos é pacata, mas nem sempre as vidas são fáceis de gerir. António Brás é que é o Presidente da Junta. Nobremente, acumula a função de tratador de animais no canil municipal e Director do Campo do Moreirense. Mas dia de jogo é sagrado: “Mulher, prepara-me o fato”. E lá vai ele engomado para receber todos com um ‘Bem-vindo’!

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O mundo mudou em Moreira de Cónegos. A vila do concelho de Guimarães, que fica no limite do Minho, faz fronteira com Vizela, está a três quilómetros de Vila das Aves, e a dez da cidade-berço que vivia ali pacatamente entrincheirada, desconhecendo há muito a fama da I Liga de futebol. Mas o Moreirense, clube da terra, ‘clube-sobrinho’ do Vitória de Guimarães, subiu à elite do futebol. O mundo mudou em Moreira de Cónegos, as pessoas é que não. António Brás, o Presidente da Junta de Freguesia de Moreira de Cónegos personifica bem a humildade das gentes da terra, pequenas de vaidade, gigantes de orgulho. “É uma coisa tão extraordinária a nossa terra ter um clube na primeira divisão. Um adepto do Moreirense não consegue descrever a grandeza que é a honra da terra, e de nos diversos canais de televisão se falar de Moreira de Cónegos todos os Sábados, todos os Domingos. É uma glória tão grande, tão grande, que acho que não cabe em tudo o que digo. É um milagre todos os dias.”

Subir à primeira divisão e nascer por dentro

Todo ele é transparente. António Brás fala como se estivesse abraçando, com uma pronúncia do Norte sobrecarregada. Se o assunto é o ‘Moreira’, temos de estar prontos para tudo. Perguntamos-lhe qual foi o momento mais especial na relação com o Moreira. Do outro lado da linha... ... ... (silêncio absoluto). Sentimos que se emociona. Respira mais rápido. Chega a chorar. Senhor António? “Perdão, menina.” Recompõe-se e voa na memória. “O momento que não esqueço foi o facto de termos subido à primeira divisão. Foi em 2000 a primeira vez. Um milagre que não consigo explicar. Quando chegámos ao jogo, sabíamos que se ganhássemos chegaríamos à primeira divisão. E ganhámos. Aquela confirmação de ‘estamos na primeira’ acho foi a coisa mais extraordinária -  além da minha família - não há nada que se compare a isto. Foi quase como nascer por dentro.”

Eu é que sou o Director do campo do Moreirense

As razões e as raízes deste amor imensurável remontam aos anos 60, era António um rapazinho franzino. “Eu sou do Moreirense desde que começou. O Moreirense começou em 69/70 pela mão de um grupo de pessoas que são chamados de refundadores. O meu pai foi um deles. Agora mesmo estou a falar-lhe desde a sede da Junta de Freguesia, onde temos diversas fotografias num painel. Numa delas está um grupo de pessoas a trabalhar, a reconstruir o campo. E eu – com 9 anos – estou lá. Ajudei com um carrinho de mão, com a enxada, a arrastar a terra para aqui e para acolá, carregando a massa para fazer os blocos de cimento. Depois, sem intenção, fui ficando e de há uns anos para cá, a Direcção deu-me a honra de eu ser o Director do campo. Sabe aquele indivíduo que ao Domingo está ao lado do quatro árbitro, com o fato do clube? Sou eu. Sou o Director do campo."

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De fato engomado eu vou...

Com 5 mil habitantes na terra, e cerca de dois mil sócios, o Moreira é um dos clubes mais pequenos da Liga NOS, mas as gentes, a pertença, a instituição, e a história não têm tamanho que se meça. Um só jogo é sacratíssimo e merece coração arrumado e fato a rigor. “Imagine que ao Domingo, quando há um jogo de futebol do Moreirense, eu quero viver tanto, mas tanto, esses momentos, que por obrigação da logística e da organização que o jogo tem, vou umas horas antes só pelo prazer de pisar aquela relva. Quando há jogo, ligo à minha esposa: olha há jogo de futebol, prepara-me o meu fato do Moreirense - que é o fato do clube. E então no dia, visto o fato engomado, visto o casaco, ponho a gravata, e vou com o tempo necessário para sermos acolhedores e para recebermos bem, e para proporcionarmos às pessoas uma boa estadia e uma boa memória.”

É como se cada jogo fosse o último dia, e que feliz que seria. “O Moreirense é a própria vida, ultrapassa o jogo, ultrapassa tudo. Não arranjo espaço, nem modos para descrever. Se o meu coração falasse, era ele que estaria a falar agora.”