A escritora de policiais Ruth Rendell morreu aos 85 anos

A criadora do inspector-chefe Wexford morreu esta manhã de sábado em Londres.

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Ruth Rendell fotografada em 2005 REUTERS/Seth Wenig/files

A escritora de policiais britânica Ruth Rendell morreu aos 85 anos, este sábado de manhã, em Londres. A autora de mais de 60 romances assinava também com o pseudónimo Barbara Vine e é lembrada pelos seus pares como uma força motivadora do seu género literário, uma política de causas e como uma das escritoras mais acarinhadas do Reino Unido.

A criadora do inspector-chefe Wexford estava internada desde que tinha tido um AVC, em Janeiro. A família da escritora, que tinha o título de baronesa Rendell of Babergh, pediu privacidade neste momento de tristeza num comunicado da chancela editorial Hutchinson, onde eram publicados os seus livros e que pertence ao grupo Penguin Random House UK.

Ruth Barbara Grasemann nasceu em 1930 em South Woodford, um subúrbio a nordeste de Londres. A sua mãe era sueca e o pai britânico - ambos eram professores e a jovem Ruth aprenderia sueco e dinamarquês (a mãe viveu muitos anos no país vizinho da Suécia). 


A sua entrada na vida profissional fez-se através do jornalismo em Essex, no Reino Unido, cidade onde tinha estudado. A experiência teve contornos de policial - no Chigwell Times, onde viria a conhecer o seu marido, Don, e pai do único filho, um psiquiatra que vive nos EUA, visitou em reportagem uma casa com reputação de ser assombrada. Como relatava em 2002 a jornalista Libby Brooks no jornal britânico Guardian, inventou para a notícia um fantasma de uma idosa. Mais tarde, escreveu sobre o discurso de um orador num clube de ténis ao qual não assistiu. O orador tinha morrido a meio do seu discurso. Demitiu-se. 

Passou os 20 anos em casa, entre o filho e a escrita, algo que guardava para si até à publicação do seu primeiro livro From Doon With Death - o inspector Reginald Wexford surgiria então como uma necessidade para dar resposta à pressão de ser, de repente e com o livro já a caminho dos EUA, "uma escritora profissional", cita-a o Guardian

Sobre o inspector, Rendell admitiu em 2013 ao semanário britânico The Observer: "Ele é mais ou menos eu, embora não inteiramente. Wexford partilha as minhas opiniões basicamente na maior parte das coisas, por isso pô-lo na página é relativamente fácil". Algumas dessas parecenças prendiam-se com questões morais como o ódio à violência física ou a boa memória para aniversários, mas também a tolerância.



A sua obra está traduzida em mais de 20 línguas e alguns dos seus romances foram adaptados ao cinema por Pedro Almodóvar (Em Carne Viva adapta Live Flesh) e Claude Chabrol - A Cerimónia a adapta o livro A Judgement in Stone. Esta é, aliás, uma das suas obras mais emblemáticas e que em Portugal foi lançada com o título Sentença Em Pedra, editada pela Gradiva e pelo Círculo de Leitores.

Quem leu este livro, publicado em Inglaterra em 1977, nunca esquecerá a sua primeira frase: "Eunice Parchman matou a família Coverdale porque não sabia ler nem escrever". E apesar de se saber na primeira linha quem matou quem e porquê, não se consegue largar o livro até ao fim. Aliás, numa entrevista ao Guardian há dois anos, dizia: "Suspense é o meu truque. Acho que consigo fazer com que os leitores queiram passar páginas umas atrás das outras".

A baronesa Gail Rebuck, presidente da Random House UK, lamenta o desaparecimento da escritora, lembrando que era "admirada por toda a indústria editorial pela sua obra brilhante. Uma observadora elegante e perspicaz da sociedade, muitos dos seus premiados thrillers e mistérios psicológicos de crime sulinharam as causas" que Rendell apoiava - um sublinhado feito pela editora e que faz eco de um dos méritos mais reconhecidos da escritora, a introdução de uma dimensão psicológica e social ao registo do policial, mas também a sua filantropia e defesa de causas como a luta contra a mutilação genital feminina, que levou ao Parlamento britânico. "Provavelmente a pessoa mais literata que conheci", acrescenta Rebuck.

Também a escritora de policiais escocesa Val McDermid salienta, num texto publicado no Guardian, que "Ruth Rendell era única. Ninguém consegue igualar o seu alcance ou os seus feitos; nunca alguém mereceu mais respeito dos seus colegas" de profissão. O também escocês Ian Rankin, autor de romances dedicados ao crime, confirma: "se a ficção criminal está hoje de boa saúde, com os seus autores a esforçar-se para melhorar a sua arte e mantê-la fresca, vibrante e relevante, tal deve-se em grande parte a Ruth Rendell".

No Twitter, o escritor Neil Gaiman recorda uma "escritora maravilhosa e poderosa" que, segundo a própria contou no ano passado num festival literário que se esquivava a escrever sobre infanticídio ou crueldade para com os animais para não correr o risco de ser usada como fonte de ideias e métodos para praticar tais crimes. E quando escrevia os seus romances, delineava um crime e um autor, mas "quando chego ao último capítulo mudo o autor do crime porque se me engano, também consigo enganar o leitor", contou à BBC.

Quando, em 1986, adoptou o pseudónimo Barbara Vine na escrita de thrillers psicológicos, sob o qual assinou 14 romances até 2012, mostrou a amplitude do espectro da sua escrita, mudando de registo - ou, nas palavras do escritor Simon Brett, "aumentando dramaticamente uma velocidade".   

Os policiais ou os thrillers tinham em comum uma autora que pugnou contra o sexismo ou o racismo e que não era uma optimista quanto à natureza humana - as suas intrigas complexas envolviam geralmente figuras que vivem à margem da sociedade, a exclusão nas entrelinhas de uma escritora que não acreditava que o mundo fosse "um sítio particularmente agradável. É, claro, para algumas pessoas. Mas é um sítio duro e não acho que dizê-lo seja cínico", disse há anos à Associated Press. 

Rendell era apoiante dos trabalhistas quando estes estavam na oposição na Câmara dos Lordes, na qual teve assento e graças ao qual obteve o título de baronesa em 1997. "A baronesa socialista", como assinalou em 2002 o Guardian. Para o líder do Labour Ed Miliband, citado este sábado pela Reuters, a escritora era "uma figura extraordinária e imensamente popular na literatura britânica e, nos últimos 18 anos, serviu o Partido Trabalhista na Câmara dos Lordes com grande lealdade e paixão". A sua amizade de mais de 40 anos com a também escritora de policiais e conservadora PD James, que morreu em Novembro de 2014, não era afectada pelas divergências políticas.

Entre os seus livros editados em Portugal estão O Senhor da Charneca, O Jogo da Navalha, Morte nas Ruínas, O Ferrão da Morte, Puzzle Mortal, Um Novo Sopro de Morte, Uns Mentem Outros Morrem (todos na Europa-América). E ainda Rei Capitão, Soldado, Ladrão, Bodas de Enxofre, Perdidos no Bosque, Um Deleite para a VistaOs Telhados do Bem e do Mal (nas edições ASA), Um Bando de Corvos, A Árvore das Mãos (Relógio d'Água) ou O Melhor Homem para Morrer (Gradiva), entre muitos outros. O seu derradeiro livro editado em vida, The Girl Next Door, chegou às livrarias no ano passado.

Segundo a BBC, Ruth Rendell deixou um romance inédito, Dark Corners, que será publicado em Inglaterra em Outubro.  

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