Morreu Anita Ekberg, imortalizada na Fontana di Trevi do La Dolce Vita

A actriz sueca Anita Ekberg, que ficou famosa pela sua interpretação no filme de Federico Fellini, estava internada numa clínica.

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Na célebre cena na Fontana di Trevi DR
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Ekberg com Mastroianni em 1960 DR
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A actriz em 2010 TIZIANA FABI/AFP
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A actriz em 2010 TIZIANA FABI/AFP

A sua filmografia conta mais de cinco dezenas de títulos, mas é apenas a um que regressamos sempre que falamos dela. Para sermos mais precisos, é uma cena desse filme que recordamos sempre que falamos de Anita Ekberg, actriz modelo, pin-up tornada actriz, nascida na Suécia, feita estrela em Hollywood, cristalizada enquanto ícone em Itália.

Sylvia, ou seja, ela mesma enquanto corpo fílmico imaginado por Federico Fellini, banhando-se com um vestido decotado na Fontana di Trevi, em Roma, enquanto “flirta” com o jornalista Marcello Rubini, ou seja, Marcello Mastroianni. “Marcello, come here!”, ouvimo-la em La Dolce Vita (1960), naquela que se preservou como uma das mais célebres cenas do cinema.

Anita Ekberg já não filmava com regularidade desde a década de 1970. Vivia isolada numa villa nos arredores de Roma, acompanhada dos seus cães, de onde saía esporadicamente para participar, por exemplo, na inauguração de uma exposição dedicada a Fellini – e aí chegada, perguntariam à mulher octagenária, que a fractura de uma anca atirara nos últimos anos para uma cadeira de rodas, sobre “aquela” cena.

Internada desde o último Natal, Anita Ekberg morreu este domingo na clínica San Raffaele di Rocca di Papa. Tinha 83 anos e continuava a gostar de dizer “fui eu que tornei Federico Fellini famoso, não o contrário”.

Nascida em Malmö, Suécia, a 29 de Setembro de 1931, sexta de oito filhos, Anita Ekberg foi Miss Malmö e, depois, Miss Suécia, em 1950. No ano seguinte, viajou para os EUA para concorrer a Miss Universo. Não venceu, mas a Suécia, país a que só regressaria muito esporadicamente até ao fim da vida, ficava para trás.

Não foi coroada Miss Mundo, dizíamos, mas esteve entre as seis finalistas. Mais importante que isso, o concurso abriu-lhe as portas de Hollywood. Ganhou um contrato com a Universal, que a colocou em aprendizagem na sua "fábrica de montagem". Em causa estaria, como aconteceu como Jayne Mansfield, a hipótese de uma resposta (in)voluntariamente paródica a Marylin Monroe.

Em 1953, estreia-se ao lado da dupla de comediantes Abbott e Costello em Abott and Costello Go To Mars, encarnando uma venusiana. Pela sua presença misteriosa no ecrã, nesses primeiros filmes, acabou alcunhada The Iceberg (o que era também, obviamente, um jogo fonético com o seu apelido).

Nessa primeira fase a sua carreira, trabalhou também com Frank Tashlin (Artists and Models, de 1955, com a dupla Jerry Lewis/Dean Martin) mas desde logo Ekberg foi mais um “acontecimento” - fabricado para as revistas de homens que começaram a proliferar nos anos 50, com a ajuda, é claro, das suas medidas excessivas - do que uma actriz. Vimo-la, ainda assim, no Guerra e Paz de King Vidor (1956) ou, no mesmo ano, em novo encontro com Jerry Lewis e Dean Martin em Hollywood or Bust.

Quatro anos depois, em 1960, tornar-se-ia lendária. Foi nesse ano que Federico Fellini a chamou para ser a protagonista do seu retrato de uma Roma tão fascinante e vibrante quanto decadente. O génio do casting que Fellini fez em Dolce Vita e, depois, no seu episódio de Bocaccio 70 (filme de 1962 dividido em várias secções independentes realizadas por Fellini, Mario Monicelli, Luchino Visconti e Vittoria De Sica), foi não negar isso mas, pelo contrário, exponenciar, até à fronteira do grotesco, essa dimensão de mulher-fenómeno.

Ekberg chamara a atenção de Fellini depois de este ver uma foto sua numa revista. Uma imagem em que a actriz surgia descalça, refrescando os pés no Fontana di Trevi, precisamente, no final de uma noite passada a dançar num dos clubes nocturnos da capital italiana. “Eu não falava italiano e ele, na altura, não falava inglês”, recordou Ekberg numa entrevista ao Guardian em 1999. “Comunicávamos com o olhar. Era incrível. Não precisámos de dialogar a maior parte do tempo. Com o pouco italiano que eu sabia, e com o pouco inglês que ele sabia, comunicávamos muito, muito bem”.

Há uma dimensão humana que lhe foi resgatada por Fellini quando, no falso documentário Entrevista (1987), chama de novo a si as suas criaturas de Dolce Vita, Marcelo e Anita, corpos já envelhecidos vendo e comentando os jovens Sylvia e Marcello no filme de 1960.

No seu período áureo foi ligada romanticamente a nomes como Errol Flynn, Gary Cooper ou Frank Sinatra. Certo é que o milionário Howard Hughes a tomou como sua protegida, aconselhando-a a fazer uma operação plástica ao nariz e a mudar os dentes e o apelido. Recusou tudo (se se tornasse famosa, argumentou, os americanos aprenderiam a pronunciar o seu nome, se não se tornasse famosa, o seu nome não interessaria para nada). Não foi apenas isso que recusou a Hughes – também terá havido um pedido de casamento declinado. Anita Ekberg esteve casada duas vezes, primeiro com o actor inglês Anthony Steel, entre 1956 e 1959, e depois com o actor americano Rik Van Nutter, entre 1963 e 1975.

Até ao início da década de 1970, manteve uma actividade cinematográfica constante mas, com as excepções já referidas, pouco memorável. A Fontana di Trevi, essa, será para sempre sua. Em quatro minutos, os que demora a cena, Anita Ekberg garantiu a eternidade.

Com Vasco Câmara

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