Arrebenta a bolha

Falta a A Queda de Wall Street o cinismo capaz de dar o coup de grace, o golpe de misericórdia, a esta história.

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Cinecartaz: Trailer A Queda de Wall Street

A Queda de Wall Street, título português um tanto exagerado (ou apenas demasiado optimista), é uma tentativa algo singular de narrar os acontecimentos que conduziram à grande crise financeira do final dos anos 2000, com epicentro no rebentamento da “bolha” do crédito ao imobiliário. É singular porque o objecto é singular; ou por outra, nem há “objectos”, apenas conceitos e construções teóricas mais ou menos opacas: os swaps, o subprime, os “CDOs”, e etc. Alguém diz no filme que os financeiros inventaram esta linguagem impenetrável a não-iniciados para que funcionasse como uma cortina: se ninguém perceber de que estão a falar e o que é que estão a fazer, ficam com as mãos livres. Basicamente, tudo o que se transacciona em A Queda de Wall Street é blá blá blá, e se o filme quer reproduzir isso tem que funcionar também em blá blá blá, numa estrutura episódica onde os diálogos, por vezes incompreensíveis para os leigos, ocupam o centro todo, como naqueles filmes de ficção científica que abundam em explicações e referências obscuras.

Adam McKay, que vem da comédia, imprime um balanço humorístico ao seu relato, bem suportado em actores (sobretudo Steve Carell, mas também Ryan Gosling, a fazer-se o mais obnóxio possível) capazes de se equilibrarem na fina linha entre a caricatura e o retrato realista. Às vezes exagera, como nos interlúdios com figuras célebres (como o famoso chef Anthony Bourdain) que através de metáforas ligadas à sua actividade aparecem para tentar explicar o que está em causa nas manigâncias feitas ou descritas pelas personagens – mas são segmentos escusados, demasiado “espectaculares” e, sobretudo, demasiado ostensivas piscadelas de olho ao espectador, como se o filme precisasse de se assegurar de que o espectador ainda está ali e permanece cúmplice. Mas sobretudo falta-lhe o cinismo capaz de dar o coup de grace, o golpe de misericórdia, a esta história. McKay não deve ter pensado no Altman dos Short Curts (embora possivelmente tenha pensado no Scorsese dos Goodfellas) para a sua narração em cenas curtas, rápidas e episódicas, mas nós pensamos, e ficamos a pensar que apesar da sua atitude “crítica”, falta a A Queda de Wall Street uma porção de genuíno veneno, aquela agressividade vitriólica que Altman tinha para dar e vender: é que no fundo, embora desconstrua aquele mundo, o filme de McKay parece ao mesmo tempo fascinado por ele, prostrado perante a retórica financeira e o brilho dos milhões que, ganhos ou perdidos, ficam sempre invisíveis.

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