As mulheres do MoMA

Nunca tinha visto tantas mulheres na história de nada a não ser, talvez, na história do feminismo. Mas, claro, não há bela sem senão.

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Quando em Lisboa uma ministra caía como caem os ministros homens (a discutir-se política e não género), tropecei em Paris na história das três mulheres visionárias que há cem anos inventaram — e fizeram — o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.

Abby Rockefeller (1874-1948), Lillie Bliss (1864-1931) e Mary Sullivan (1877-1939) saíram do armário pela mão da nova directora dos Arquivos e Biblioteca do MoMA, nomeada este Verão. Nas dezenas de vezes que visitei o museu, não me lembro de ter visto estes nomes associados à sua génese. Nem mesmo quando, nos anos 1990, fui "Amiga do MoMA" com quotas em dia.

Ser Moderno: o MoMA em Paris, uma exposição que acaba de inaugurar na Fundação Louis Vuitton (e que antecipará a nova forma de mostrar a colecção permanente do MoMA a partir de 2019, quando as obras terminarem em Nova Iorque) inclui uma pequena sala sobre a história do próprio museu. A abrir a sala estão as fotografias das três mulheres que em 1929 fundaram o MoMA; a seguir surge Josephine Boardman Crane, membro do conselho de administração original; depois Amelia Earhart, a pioneira da aviação (que atravessou o Atlântico em 1932 e mais tarde desapareceu no Pacífico), em pose com o primeiro prémio da exposição Machine Art, de cujo júri fora membro; mais uns passos e aparece Iris Barry, uma crítica de cinema inglesa que em 1935 é escolhida como primeira curadora da recém-criada Filmoteca (hoje Departamento do Cinema e Vídeo); ao lado está Picasso a falar sobre um quadro seu com um grupo de ilustres (e lá estão três mulheres); depois vemos Blanchette Hooker Rockefeller, que se torna chairman e presidente em 1959 (alternará as duas posições até 1987); e até Einstein está, já no fim, a olhar para um Picasso com uma mulher desconhecida ao lado.

Nunca tinha visto tantas mulheres na história de nada a não ser, talvez, na história do feminismo.

Não sei se é por a curadora ser uma mulher (que sucede a um homem que ocupou o lugar durante 20 anos), se é por ser americana, se é por ser as duas coisas ou, simplesmente, se é por estarmos em 2017. Escrevi um email a Michelle Elligott, a nova directora dos Arquivos e Biblioteca, para saber se é a primeira vez que o MoMA conta assim a sua história numa exposição (há alguns ensaios e um livro) e se foi intencional mostrar tantas mulheres. “Intencional, talvez, mas é impossível contar a história do MoMA sem reconhecer que a instituição deve muitíssimo do seu sucesso às mulheres.”

Foi no fim de Maio de 1929 que Abby Rockefeller convidou as amigas Lillie Bliss e Mary Sullivan para um almoço e, ao grupo, juntou o coleccionador Anson Conger Goodyear (1877-1964), empresário de madeiras e filantropo, sobre quem se conta ter sido afastado da presidência de um museu de Buffalo por ter recomendado a compra de um Picasso. Os quatro tinham muito em comum: um gosto radical, dinheiro e a convicção de que era urgente criar uma plataforma pública para mostrar arte moderna de forma permanente. E as preocupações eram concretas. O Metropolitan Museum of Art recusava mostrar artistas do final do século XIX e início do XX e não aceitava sequer doações de obras. Quando os coleccionadores morriam as obras eram dispersas em leilões. Li que Abby Rockefeller tinha um Picasso na sua casa de banho privada e as gravuras de Toulouse-Lautrec e outros tesouros numa "galeria" que montou no último andar e onde o marido nunca ia. Picasso era esquisito, não se pendurava nas salas de visitas. Lillie Bliss, herdeira de uma fortuna do têxtil, tinha um problema igual. A sua mãe inválida só permitia ter nas paredes os 11 Cézanne. O resto da enorme coleccção, obras escandalosas e “bolcheviques”, estava nos arrumos. Quando tinha visitas, Bliss pedia a um empregado que os fosse buscar, de elevador, um a um. “Richard, agora traga o Modigliani…”

Em 1929, neste microcosmos, estava lá tudo. Mulheres no poder, arte africana sem paternalismo, um Conselho Consultivo de Jovens e a primeira exposição a solo de uma mulher artista logo em 1940. Era politicamente correcto? Não, era moderno.

Claro que não há bela sem senão. No site do MoMA as três fundadoras são apresentadas como “senhoras de…”, com o Mrs. seguido do nome completo do marido — à excepção de Lillie Bliss, que nunca casou. E assim, Mary Sullivan ganha a personalidade de “Mrs. Cornelius J. Sullivan” e Abby Rockefeller a de “Mrs. John D. Rockefeller, Jr.”.

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