Borat, pela América em tempos de covid-19

A sequela do êxito de 2006 vê Sacha Baron Cohen a pôr de novo o bigode e o fato cinzento do repórter do Cazaquistão. Saiu esta sexta-feira, na Amazon Prime Video.

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Maria Bakalova como Tutar e Sacha Baron Cohen como Borat em "Borat Subsequent Moviefilm: Delivery of Prodigious Bribe to American Regime for Make Benefit Once Glorious Nation of Kazakhstan", a sequela de "Borat"

Até agora, as aparições de Rudolph Guiliani em comédias resumiam-se a cameos como ele próprio em filmes encabeçados por Whoopi Goldberg ou Adam Sandler, bem como em séries como SeinfeldDoido Por Ti ou Os Simpsons. Não eram nada de particularmente memorável. O antigo presidente da câmara de Nova Iorque, advogado e confidente do presidente Donald Trump, será para sempre associado, a partir de agora, a Borat Subsequent Moviefilm: Delivery of Prodigious Bribe to American Regime for Make Benefit Once Glorious Nation of Kazakhstan, a sequela de Borat, o mockumentary realizado por Larry Charles em 2006 que catapultou a personagem homónima do britânico Sacha Baron Cohen para a fama mundial.

Poucos dias antes do lançamento do filme, que ficou disponível mundialmente via Amazon Prime Video esta sexta-feira e não vai passar pelas salas de cinema, sem a possibilidade de provocar gargalhadas comunais, saía a notícia: Guiliani aparece em Borat 2, com a actriz que faz de filha de Borat a fazer-se passar por uma jornalista, sentado numa cama num hotel e a pôr a mão dentro das calças, isto antes de Borat irromper pelo quarto adentro. O próprio alegou que estava a ajustar a camisa.

Comédia na vida real

A cena, que acontece lá para o fim do filme é apenas um de vários momentos. Depois de Borat, um fenómeno internacional, tornou-se cada vez mais difícil para o reconhecível Baron Cohen fazer aquilo que faz há décadas, ainda antes de ter criado Borat Sagdidiyev: comédia na vida real, caracterizado como uma personagem, a interagir com pessoas que não sabem que aquela pessoa não existe. Borat, o jornalista incompetente e ingénuo mas não inocente do Cazaquistão (uma versão ficcional do país real) que revela os piores preconceitos daqueles com quem se cruza, passou a ser reconhecido por toda a gente com quem se cruzava e Baron Cohen tinha decidido até reformar a personagem. O estratagema da série Who Is America?, que o cómico fez para a Showtime em 2018, envolvia personagens com caracterizações mais complexas do que a de Borat, uma máscara que é basicamente um bigode e um fato cinzento.

O filme, outra vez um mockumentary, mas desta feita realizado por Jason Woliner, assume isto mesmo. Depois do primeiro filme, em que o protagonista viajava pela América de Bush, Borat tornou-se uma celebridade e trouxe má fama ao seu país natal. Esteve preso durante 14 anos e agora tem uma nova missão: voltar aos Estados Unidos para oferecer uma prenda a Mike Pence, o vice-presidente, e tornar o presidente — fictício — do Cazaquistão um dos homens fortes internacionais de quem Donald Trump (referido por Borat como McDonald Trump) é amigo, como Vladimir Putin ou Jair Bolsonaro. Quando chega à América, as pessoas interpelam-no.

É piada?

A novidade é que Borat não vai sozinho. A já mencionada filha dele, Tutar, de 15 anos, a quem é dada vida pela búlgara Maria Bakalova, viaja com ele. Muitos críticos americanos têm comparado essa componente road movie do filme a Lua de Papel, de Peter Bogdanovich — sem o talento desse realizador, claro —, e há algo de genuíno na relação entre os dois. E há uma perspectiva feminina no filme, que, ao contrário do primeiro, não foi escrito só por homens.

Borat, com ou sem Tutar, passa por eventos pró-Trump, lojas de telemóveis, clínicas religiosas anti-aborto, cirurgiões plásticos, influencers de Instagram, sinagogas com sobreviventes do Holocausto — há espaço para um dos passatempos recentes favoritos de Baron Cohen: o activismo anti-Facebook —, lojas de fotocópias e até passa algum tempo em quarentena com dois amigos que acreditam nas conspirações de extrema-direita QAnon.

Pelo meio, surge a pandemia, e há um discurso de Mike Pence que diz que Trump está preparado. À distância de quase 225 mil mortes, custa a engolir. Até que ponto é que o que acontece com pessoas de carne e osso é verdade ou encenado não é claro, e ainda bem. Há muitas reacções genuínas de choque quando, por exemplo, pai e filha dançam num baile de debutantes. Se quem estava a ver sabia ou não que era uma piada não importa. É uma fronteira em que Nathan For You, série cómica na qual o realizador Jason Woliner, que se estreia aqui nas longas-metragens depois de ter estado atrás das câmaras de algumas das melhores comédias televisivas americanas dos últimos 15 anos, de Human Giant a What We Do In The Shadows, passando por Eagleheart, vive muito bem.

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