Desconversa

Élvio Camacho, Márcia Lança e Marta Félix fazem o possível por mostrar que, apesar de tudo, apesar da conversa rotineira, daquelas frases que se dizem sem se ouvir, mais tarde ou mais cedo, as pessoas acabam por entender-se.

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Filipe Ferreira
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Duas pessoas falam uma com a outra. Conversam. Porém, resta saber se se entendem, se desejam entender-se, ou se cada uma procura, mesmo que subconscientemente, afirmar aquilo em que acredita e forçar o outro à aceitação? A bem dizer, este é o tutano de Enseada, embora sobre uma pergunta: e, entendendo-se, serão felizes?

Pode parecer estranho, porque aplicável, mas a nova peça de Miguel Castro Caldas (n. 1972), e sua estreia como encenador, não é sobre as atribulações psicanalíticas da “Geringonça”. Aliás, embora não seja preciso esticar muito a interpretação do entrecho, o dramaturgo também não quer propriamente debruçar-se sobre o tribalismo que domina a comunicação contemporânea, cada vez mais organizada em cantões que pouco querem saber da verdade dos outros, ou mesmo da verdade. No entanto, este, digamos, estado de espírito, lá está. Inscrito como num palimpsesto, necessitando de busca e decifração, mas presente sob os diálogos vagos e pessoais, feitos de frases feitas, conceitos vulgares, circunstâncias da vida. Coisas mais chãs, portanto.

Tanto que a acção, por assim dizer, nasce de um gesto simples. Alguém chega a casa, encontra um bilhete no chão que recolhe e entrega a outra pessoa enquanto diz: estava isto debaixo da porta. O que é que diz?, pergunta a outra. Gosto de ti, diz a primeira. “Agora – cito o programa – a pergunta que se faz é esta: a pessoa que respondeu ‘gosto de ti’ respondeu algo que estava a ler ou disse-o à outra pessoa: gosto de ti. Estava a ler ou a dizer?” Começa assim uma curta peça que pretende encerrar em si um longo programa. E começa e desenvolve-se de forma inteligente, concentrando-se no pessoal, no facilmente identificável, no diálogo rotineiro das personagens à procura de um sentido maior para as suas palavras e para a constante repetição de frases – como quem sucessivamente procura um devir novo para o mesmo discurso entrincheirado na sua crença. 

Élvio Camacho, Márcia Lança e Marta Félix (enquadrados no espaço cénico concebido por Sara Franqueira e pela música de João Caldas) fazem o possível por mostrar que, apesar de tudo, apesar da conversa rotineira, daquelas frases que se dizem sem se ouvir, tantas vezes como forma de defesa mais do que reacção, de uma maneira ou de outra, mais tarde ou mais cedo, as pessoas acabam por entender-se. O que, sendo um desejo benigno e eventualmente útil à civilidade, não é a mesma coisa que compreender o ponto de vista do outro nem os seus sentimentos, mas mais um encontro tácito e provisório. Possibilidade que o texto deixa, como se costuma dizer, no ar, ou, em versão intelectualmente mais estimulante, à interpretação dos espectadores como participantes do espectáculo. Tudo boas intenções. O busílis, todavia, é a falta de ousadia em escarafunchar a substância do texto, insistindo nas repetições como artifício sem conteúdo dramático, deixando o simplismo e a facilidade de métodos dominar a encenação, que, assim, torna a peça um exercício retórico aborrecido e – não há maneira educada de o dizer – vazio.

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