Director artístico do São Carlos indisponível para novo mandato

Patrick Dickie comunicou esta quarta-feira à ministra da Cultura não ter condições para renovar o seu mandato, que expira a 31 de Agosto. Situação de instabilidade laboral no Opart não terá sido alheia a esta decisão.

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ENRIC VIVES-RUBIO

O director artístico do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), Patrick Dickie, comunicou esta tarde à ministra da Cultura, Graça Fonseca, a sua indisponibilidade para “equacionar a continuidade naquelas funções”, invocando “razões pessoais”.

A instabilidade laboral no São Carlos, que levou inclusivamente ao cancelamento da última grande produção desta temporada, a ópera La Bohème, não terá sido alheia a esta tomada de posição do seu director artístico, cujo mandato termina a 31 de Agosto. O dramaturgo, produtor e programador britânico assumiu as suas actuais funções em 2016, vindo preencher um vazio de vários anos à frente do único teatro público de ópera do país; tinha já colaborado com o São Carlos enquanto consultor, tendo sido da sua responsabilidade a programação da temporada lírica 2015/2016.

Numa nota enviada às redacções em resposta a uma pergunta do PÚBLICO, Patrick Dickie sublinha ter sido "uma honra desempenhar estas funções e trabalhar com todos os colaboradores do TNSC, em particular os extraordinários artistas da Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de São Carlos”.

Antes de chegar ao São Carlos, o britânico foi consultor e produtor da English National Opera, onde acompanhou o director artístico John Berry, e programador do Almeida Theatre, em Londres, para o qual concebeu dez temporadas. Patrick Dickie é ainda consultor do Festival Spitalfields.

Nestes três anos como director artístico, Patrick Dickie não conseguiu alcançar o seu auto-proposto objectivo de fixar em dez produções a temporada operática do São Carlos, mas esforçou-se por normalizar o calendário da casa. “Perante o corte que sofremos nos dois anos anteriores, conseguimos a magia de manter o número de óperas e aumentar as receitas de bilheteira. Este ano fazemos oito produções, mas faremos um número ligeiramente inferior de récitas (28 em vez de 30)”, dizia ao PÚBLICO há um ano, a propósito da temporada que agora termina. “Mas continuarei sempre a dizer que dez é o número mágico”, insistia, prometendo “muito mais ópera no Outono” em 2019/2020.

Outro dos compromissos que assumiu foi o de forçar o São Carlos a sair de casa, apresentando-se não apenas noutros palcos de Lisboa (como o Coliseu ou o Centro Cultural de Belém) como também noutros palcos do país (como o Coliseu do Porto ou o Teatro Nacional São João, também no Porto).

Duas baixas

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete da ministra da Cultura não quis comentar este anúncio nem confirmar a informação de que também a maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, Joana Carneiro, terá estado reunida esta tarde com Graça Fonseca. O mandato de Joana Carneiro à frente da orquestra residente do São Carlos termina já a 31 de Julho. 

A anunciada saída de Patrick Dickie configura a segunda baixa provocada pelo arrastamento do diferendo laboral no Opart, depois de na segunda-feira o presidente do conselho de administração daquele organismo, Carlos Vargas, ter formalizado junto da tutela o seu pedido de demissão. Desde Maio que o Ministério da Cultura (MC) diz estar “para breve” o anúncio da nova composição da administração do Opart, esperando-se agora que a decisão possa sair do Conselho de Ministros da próxima quinta-feira. Também os vogais Samuel Rego e Sandra Simões deverão ficar de fora do novo organograma.

A degradação das relações de trabalho no seio do Organismo de Produção Artística (Opart), responsável pela gestão conjunta do TNSC e da Companhia Nacional de Bailado (CNB), agudizou-se nas últimas semanas, após uma fracassada tentativa de entendimento com os trabalhadores que reivindicam, desde Setembro de 2017, a harmonização salarial entre os técnicos das duas estruturas, a aprovação de um regulamento interno de pessoal e um espaço de ensaios fixo para a orquestra. Depois de, no final de Março, a administração ter chegado a acordo com os trabalhadores, e de estes terem suspendido a greve que afectaria a apresentação da opereta L'Étoile, o MC chamou a si a condução do processo, alegando não ser exequível garantir o acordado com os trabalhadores nos timings e nas condições aceites pelo Opart.

As negociações entre a tutela, a administração do Opart e o Cena-STE (o sindicato que representa os trabalhadores do São Carlos e da CNB) acabaram suspensas sem que tenha sido possível chegar a uma solução consensual para corrigir a disparidade salarial que desde Setembro de 2017 prejudica os técnicos do São Carlos em relação aos seus colegas da CNB. A greve às cinco récitas da ópera La Bohème trouxe o protesto dos trabalhadores do Opart para a praça pública e obrigou a ministra da Cultura a tomar posição, anunciando, num artigo de opinião publicado neste jornal, um investimento de três milhões de euros para o São Carlos – deixando de fora a reivindicada harmonização salarial que o Cena-STE estima não exigir do Estado mais do que 60 mil euros.

Na semana passada, a tutela voltou a chamar os trabalhadores à mesa das negociações, mas as expectativas de uma resolução para o diferendo laboral voltaram a gorar-se. Contrariando declarações anteriores da ministra da Cultura, que chegou a garantir no Parlamento que havia uma solução orçamental para resolver a diferença salarial no Opart, o Governo endureceu a sua posição e declarou ilegal a deliberação do conselho de administração do Opart que permitiu a redução do horário de trabalho para os funcionários da CNB e criou a actual disparidade salarial. Rejeitados num plenário da passada sexta-feira os três cenários propostos pelo MC, a secretária de Estado da Cultura, Ângela Ferreira, comunicou esta manhã ao sindicato que o Governo vai impor unilateralmente, e já a partir do próximo dia 1 de Julho, o regime de 40 horas semanais aos trabalhadores da CNB que em Setembro de 2017 o haviam visto reduzido. Com Sérgio C. Andrade

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