Há um romance de António Lobo Antunes nas provas de agregação de professores em França

Os Cus de Judas foi seleccionado pelo Ministério da Educação francês, em conjunto com O Coração das Trevas, de Joseph Conrad, e de L’Acacia, de Claude Simon.

António Lobo Antunes, escritor
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António Lobo Antunes Enric Vives-Rubio
A terra no fim do mundo
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Casa da edição francesa de Os Cus de Judas DR
Expérience de l'histoire, poétiques de la mémoire: Agrégation de lettres, Littérature générale et comparée, A Terra do Fim do Mundo, Agrégation de lettres modernes, Coração das Trevas, História
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O livro de António Lobo Antunes, Os Cus de Judas (na tradução que Pierre Léglise-Costa dele fez em 1983 para a editora Métailié: Le Cul de Judas), foi incluído pelo Ministério da Educação francês na lista de obras do programa de 2018 das provas de agregação em Literatura para o ensino secundário no país.

O segundo romance do escritor português, editado em 1979, surge ao lado de O Coração das Trevas (1992), do britânico Joseph Conrad (1857-1924), e de L’Acacia (1989), do francês Claude Simon (1913-2005) – são as três obras escolhidas no domínio da Literatura Geral e Comparada para os candidatos abordarem um dos itens do concurso nacional, constituído por um exame com provas escritas e orais, este ano subordinado ao tema Experiências da História, poéticas da memória.

Além de uma primeira selecção com uma dúzia de autores da literatura francesa, o programa inclui também, em volta do tema Formas da acção poética, obras de René Char (Fureur et Mystère), de Federico García Lorca (Complaintes Gitanes, tradução francesa de Romancero Gitano) e do palestiniano Mahmoud Darwich (com a colectânea La terre nous est étroite et autres poèmes).

Marc Robert, professor no Lycée Henry IV, em Paris, e membro do directório do concurso da agregação interna de Letras Modernas, explicou ao PÚBLICO que este concurso nacional para professores dos colégios e liceus – e que está actualmente a decorrer – goza de grande prestígio, “existe desde o século XVIII e tem mantido o mesmo formato desde o século seguinte até à actualidade”.

Na sua formulação, se a primeira parte é naturalmente dedicada à História da Literatura Francesa, desde a Idade Média até ao século XX, a segunda é destinada a obras da literatura comparada e tem um âmbito universal, mas, a cada ano, a selecção é subordinada a um tema específico. A escolha dos temas e das obras (e respectivos autores) é da responsabilidade de “um conselho de sábios” recrutado entre professores universitários e investigadores.

Escritor apreciado em França

Depois de considerar que, para abordar o tema História e memória, a escolha de Claude Simon, Nobel da Literatura em 1985 (L’Acacia, que não se encontra traduzido em português, conta um século da história de França a partir do que acontece dentro de uma casa de cuja janela se vê crescer esta árvore), e Joseph Conrad (O Coração das Trevas, recorde-se, esteve na base do filme de Francis Ford Coppola, Apocalipse Now) “impunha-se”, Marc Robert admite que a presença do livro de António Lobo Antunes possa parecer “mais inesperada”, mas acha que “ela corresponde a um desejo de abertura a todos os títulos louvável”.

Em resposta ao PÚBLICO via email, este professor e investigador – que passou pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto nos anos 80 – lembra que “António Lobo Antunes está traduzido e é apreciado em França desde os anos 80, dentro dos círculos intelectuais e universitários”. E vê agora a sua entrada neste currículo académico como resposta “a uma vontade efectiva de o tornar também conhecido junto de um círculo mais alargado de professores”, lembrando que os docentes aprovados no concurso tenderão depois a “estudá-lo nas suas turmas”, ajudando assim a “aprofundar o seu conhecimento”.

Já sobre a escolha específica do romance Os Cus de Judas, Marc Robert lembra que se trata de um dos seus primeiros livros e “que aborda acontecimentos – a Guerra Colonial – que permitem evocar realidades que são também familiares aos franceses”, citando, como exemplo, “a experiência da Guerra da Argélia”. Além disso, observa que Os Cus de Judas contém já todo o universo temático e estilístico do escritor português, além de que se trata de “um texto menos longo e menos ‘acrobático’ do que os outros romances que ele escreveu a seguir”.

António Lobo Antunes é, pelo menos no último quarto de século, o único autor português a ser incluído neste programa curricular do Ministério da Educação francês, numa lista naturalmente já bastante extensa e onde podemos encontrar textos de Aristófanes, Ovídio e Petrarca, além de Kafka, Virginia Woolf e Günter Grass, passando por Cervantes, Shakespeare e Dostoievski.

Prémios em Itália e na Roménia

O autor de Até Que as Pedras Se Tornem Mais Leves Que a Água (2017) acaba, de resto, de vencer em Itália o Prémio Bottari Lattes Grinzane 2018, organizado pela fundação com o mesmo nome e atribuído por um júri composto por intelectuais, professores universitários, jornalistas culturais e escritores, segundo o comunicado da editora Leya – a cerimónia de entrega do prémio está anunciada para o dia 20 de Outubro, no Castello di Grinzane Cavour, nos arredores de Turim.

Este prémio surge cerca de uma semana após uma outra distinção para o conjunto da sua obra, em Bucareste, com o Grande Prémio do Centenário da Reunificação da Roménia.

Ainda segundo a Leya, António Lobo Antunes vai marcar presença na Feira do Livro de Lisboa a 3 e 10 de Junho, para assinar exemplares de Até Que as Pedras se Tornem Mais Leves que Água e de outros livros seus.

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