Helena Sarmento lança Lonjura, mais perto do público e do fado

A fadista e também advogada apresenta ao vivo o seu terceiro disco, Lonjura, no Museu do Fado. Esta terça-feira, 15 de Maio, pelas 19h.

Foto
Helena Sarmento fotografada para a capa de Lonjura ANDRÉ HENRIQUES

Há uma definição para Helena Sarmento que lhe assenta na perfeição. É de Rui Vieira Nery, que escreveu: “Não é a segunda Amália, nem a terceira Hermínia, nem a quarta Fernanda Maria: é a primeira Helena Sarmento (…). Ouvimos fados tradicionais, cantados já por tanta gente, mas temos a sensação de eles estarem a ser reinventados, temos a sensação do novo.” É, pois, uma voz singular a que nos chega agora com um terceiro disco, Lonjura, ainda mais perto do público e do fado. E vai apresentá-lo ao vivo no auditório do Museu do Fado, em Lisboa esta terça-feira, às 19h.

Nascida em Lamego, em 23 de Agosto de 1981, mudou-se em 2004 para o Porto, onde vive e trabalha como advogada, já que se licenciou em Direito. Filha do escritor Joaquim Sarmento (que, diz ela, “cantava muito bem”), tem na família outros entusiastas da música, tios, avós, mas nenhum profissional. “É a tradição do amador, do amor à música. Almoçávamos a ouvir a Amália. A primeira vez que me lembro de ver o meu pai chorar foi quando ela morreu.”

Com Amália e José Afonso por referência, a timidez impedia-a de cantar em público. “A primeira vez que cantei fado ao vivo foi em 2001. Tinha vergonha, já sabia alguns fados mas ficava sempre calada. Cantava era entre amigos, porque como não havia ninguém que cantasse bem não havia problema.” Foi o pai de um amigo dela que a desafiou a participar numa noite de fados, em Lamego. “Aí, sim, convidei o meu pai, que ficou surpreendido e gostou muito. Depois foi ele que puxou por mim. Mas até 2009, foram episódios muito pontuais. Entretanto tirei o curso, estagiei, e só voltei a ter tempo quando me despedi.”

Deixou a firma de advogados e passou a trabalhar por conta própria, com mais tempo para o fado. Duas pessoas, além do pai, foram essenciais na sua carreira: o guitarrista Samuel Cabral e o letrista João Gigante-Ferreira, que têm assinado vários temas nos seus discos. “Quando conheci o Samuel passei a ter mais concertos, mas só depois do primeiro disco é que me estreei numa casa de fados.” Da primeira vez que lhe falaram num disco, hesitou, pois não se via a gravar versões. Disse a João Gigante que gostava muito de cantar Zeca Afonso e, no dia seguinte, ele enviou-lhe o Fado Intervenção, que viria a fechar o seu disco de estreia. “Tem uma quadra que é uma síntese da minha forma de estar no fado: ‘Que cante um fado de guerra/ Que cante o do coração/ É sempre de intervenção/ Se a voz me sabe a terra’.” Isso foi em Fado Azul (2011). E não tardou a gravar outro, Fado dos Dias Assim (2013), porque se entusiasmou: “Senti que ainda tinha muita coisa a dizer e que não tinha cabido no primeiro.”

Brasil e José Afonso

O novo disco, Lonjura (2018), levou mais tempo. “Quis crescer um pouco, foi uma questão artística. E teve também a ver com o facto de ser edição de autor e isso ter um peso maior.” Nele, além de vários originais, voltou a gravar José Afonso e também uma canção brasileira. No disco anterior, foi O que tinha de ser, de Vinicius; aqui, foi O bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, celebrizada por Elis Regina. O Brasil é um amor antigo: “Quanto tinha 17 anos adormecia todas as noites a ouvir o Imitação da Vida da Bethânia. Acho que o meu gosto pela poesia, para além do meu pai e dos livros, vem desse disco. Mais tarde conheci a música dos clássicos, da Elis Regina, do Chico Buarque, do João Gilberto.”

Quanto a José Afonso, já desde Fado Azul que ela queria gravar Era um redondo vocábulo. “Na altura escolhi a Canção do desterro e no disco seguinte a Canção de embalar. Mas foi bom esperar porque fiquei muito contente com o arranjo que o André Teixeira fez aqui.”

Disco dedicado ao pai

Dos originais, até por ser advogada, salienta-se o Fado jurídico-criminal, com letra de Gigante-Ferreira e já com vídeo, onde um homem que rouba uma maçã por estar esfomeado é condenado em tribunal, indo depois juízes e jurados jantar (e comer maçãs, oferecidas pelo seu serviço à justiça): “É uma sátira mesmo a propósito, e aí já tem a ver com a minha experiência profissional, porque nós vemos muitas situações de injustiças.”

Lonjura, o disco, é dedicado ao autor do poema deste fado, o pai de Helena (afectado pela doença de Parkinson). No vídeo já lançado no YouTube ele aparece em imagens antigas e no final ouvimo-lo a cantar parte de um fado de Amália, Não é desgraça ser pobre. “Desgraça é andar a gente/ De tanto cantar, já rouca/ E o fado, teimosamente/ No coração e na boca”. As imagens foram captadas em tertúlias para as quais convida amigos, para conversar e cantar.

No Museu do Fado, Helena Sarmento terá consigo os músicos que a acompanham no disco: Samuel Cabral (guitarra portuguesa), André Teixeira (viola) e Sérgio Marques (viola baixo).

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