Livreiros independentes unem-se em associação para lutar pela sobrevivência

Livreiros de Lisboa, Aveiro e Sines querem combater monopólios e mudanças de hábitos. "O fim das livrarias pode vir a verificar-se se o Estado não intervier."

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Nuno Ferreira Santos

Um grupo de livreiros está a criar uma associação representativa do sector que lute pela defesa das livrarias independentes, contra as "ilegalidades" praticadas pelo poder instalado, ao mesmo tempo que tentam sobreviver apostando na diferenciação e diversificação da oferta.

Três livreiros estão por detrás deste movimento, que quer juntar outras livrarias, algo que dizem não ser fácil, quando se tem de sobreviver num meio dominado por três grandes cadeias — Bertrand, FNAC e Grupo Sonae (Continente) —, já para não falar na Internet e nas compras online.

"Sobra muito pouco tempo. Já fizemos algumas reuniões, já contactámos outras livrarias", mas quando não se tem possibilidade de pagar a funcionários e ainda tem que se dar outras valências à livraria para que esta sobreviva, todo o tempo do dia é usado a trabalhar, disse à Lusa Francisco Vaz da Silva, da livraria Gigões e Anantes, em Aveiro. Esta é uma livraria que aposta na literatura infantil, poesia e álbuns ilustrados, além de fazer exposições, desenvolver tertúlias, apresentações e horas de conto.

Francisco Vaz da Silva não tem dúvidas de que na actual situação, "só as livrarias diferenciadas conseguem sobreviver".

Joaquim Gonçalves, livreiro da A das Artes, em Sines, com 15 anos, já duas vezes premiada, partilha da mesma opinião e oferece, além de um atendimento personalizado, música, artesanato e artes plásticas no seu espaço. "Com muito esforço, estamos a tentar um movimento que una os livreiros e tente alterar o estado da situação, muito político, encoberto pelo factor económico", disse à Lusa.

Segundo Vítor Rodrigues, da Leituria, situada na zona da Estefânia, em Lisboa, "as razões para encerramentos e alterações de conceito - tentativas desesperadas para contrariar gigantescos desequilíbrios de mercado — têm duas ou três origens: oligopólios estabelecidos e com tendência para monopólios, mercado imobiliário especulativo (rendas a subir para três, cinco ou 20 vezes mais), e alterações sociais, ideológicas, tecnológicas e económicas que empurram as pessoas para longe do livro enquanto objecto de transmissão de conhecimento".

Para este livreiro, que aposta também na arte, na gastronomia, em artigos de papelaria e até numa carta de vinhos, "o fim das livrarias pode vir a verificar-se se o Estado não intervier, apoiando-as activamente e corrigindo os actuais desequilíbrios de mercado".

"Na minha opinião, os problemas devem-se à inoperância da Lei do Preço Fixo, e aos problemas imobiliários que expulsam livrarias e alfarrabistas de locais decentes para o comércio", acrescentou. Para Francisco Vaz da Silva, "o que se está a passar no mercado livreiro é gravíssimo, porque é um negócio em que só há batota".

O livreiro lamenta que apesar de a lei estabelecer que as livrarias só podem fazer feiras do livro durante 25 dias por ano, isso não acontece com as grandes cadeias. Vaz da Silva exemplifica com o caso de uma grande livraria em Aveiro "que está em campanha de feira do livro desde 25 de Abril ininterruptamente até agora".

"Já foi apresentada reclamação e o IGAC [Inspecção-Geral das Actividades Culturais] não funciona. Uma das últimas vezes que apresentámos uma reclamação por incumprimento da lei do preço fixo, tivemos imediatamente uma inspecção na nossa livraria por parte do IGAC e na semana a seguir tivemos uma inspecção da ASAE", denunciou.

Outro problema é o dos descontos feitos pelas grandes cadeias, que considera uma "barbaridade": "Como se pode aceitar que haja uma campanha com descontos entre 20% a 50%, quando este é um valor inferior àquele que é o preço de compra por parte das livrarias independentes (que é em média de 30% a 35% de desconto sobre preço de capa do livro)? Não há uma lei da concorrência".

Afirmando que conhece bem o mercado livreiro espanhol e francês, Francisco Vaz da Silva diz que o que se está a passar em Portugal seria impensável nesses países e afirma que a "Bertrand foi para Espanha tentar fazer o mesmo e teve que se vir embora imediatamente, porque lá cumpre-se a lei".

Também a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), que em Janeiro deste ano pediu ao Governo um "apoio urgente" às livrarias ameaçadas, cita o exemplo de França, que tem um "ambicioso plano de apoio às livrarias independentes". A SPA assinalou também que em França existe um programa de televisão, que entrevista escritores, aborda temas ligados ao livro e à edição, e todas as semanas revela uma livraria.

Esta foi uma das ideias defendidas em Portugal pelo grupo de trabalho designado pelo Ministério da Cultura e do qual Francisco Vaz da Silva fez parte: um programa de televisão que divulgasse a existência de livrarias e o trabalho que fazem. Francisco Vaz da Silva disse que foram várias as propostas, que não oneravam o Estado, apresentadas para ajudar a salvar as livrarias independentes. Desse trabalho, que decorreu entre Janeiro e Maio de 2017, resultou "um texto mínimo que não tem grande impacto e que está parado".

"Não foi implementado nenhum apoio, à excePção do selo de mérito cultural", anunciado em Maio deste ano pelo ministro, e que representa apenas "1% das medidas que foram propostas na comissão". A Lusa questionou o Ministério da Cultura quanto às conclusões deste grupo de trabalho, mas não obteve resposta.

O responsável da Leituria diz que "o Estado não existe para as livrarias independentes. Zero apoios, zero vontade, zero tudo". "Quando algo surge, como o recentemente anunciado 'Selo de mérito cultural para livrarias', trata-se de cosmética. Esta medida foi anunciada em Maio pelo ministro da Cultura — não por acaso, na Feira do Livro de Lisboa, que leva ao desespero as livrarias independentes de Lisboa, às moscas antes, durante e após esse evento —, mas estará a navegar pelos pântanos burocráticos durante muito tempo", acrescentou.

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