Chris Rock pontuou os Óscares com negritude: “Hollywood é racista?”

A diversidade não estava nas nomeações, mas entrou na sala com os convidados, os premiados e as homenagens. A negritude não saiu dos Óscares, mas o monólogo tentou tirar o belicismo à polémica.

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Era um monólogo quase tão aguardado quanto a lista final dos premiados dos 88.ºs Óscares. Nos últimos dias, Chris Rock andou a ensaiar partes da sua actuação pelos clubes de comédia de Los Angeles e algumas das piadas acabaram por ir parar às boas-vindas ao público global desta cerimónia. Que se atiraram logo à polémica de 2016: “Hollywood é racista?” Piadas atrás de piadas, sem perdão para o boicote que não esvaziou o Dolby Theatre, e que pareceram, sim, querer esvaziar a polémica do seu belicismo.

Senhoras e senhores, bem-vindos aos Óscares a festa para a qual Chris Rock foi convidado. Ele tentou explicar o que pensa do boicote: “Por que é que só há pessoas desempregadas a dizer-nos para desistirmos de algo? Pensei nisso, mas vão fazer os Óscares na mesma e não vão cancelar os Óscares porque eu me despedi. E a última coisa de que preciso é de perder outro trabalho para Kevin Hart!” [actor e comediante] Sobre a indignação que a 14 de Janeiro suscitou um apelo ao boicote de vários actores e realizadores, como Jada Pinkett-Smith e Spike Lee, Rock pôs as coisas em perspectiva: “Jada boicotar os Óscares é como eu boicotar as cuecas da Rihanna – não fui convidado”, disparou, para risos e aplausos da sala.

Tanto a comunidade afro-americana como os comediantes frisavam a importância desta actuação de Rock – no ano dos #OscarsSoWhite, o comediante autor do sketch Niggers vs. Black People, de 1996, tinha responsabilidades acrescidas. Foi o que fez, para primeiras reacções elogiosas nas redes sociais e uma espécie de alívio difuso na sala – e risos e gritos quando prometeu que este ano seria tudo diferente. No In Memoriam que recorda aqueles que morreram no ano transacto "vão ser só negros que foram alvejados pelos polícias a caminho do cinema".

Na noite dos Óscares, começou logo por si: "Se houvesse nomeações para apresentador, não tinha este trabalho. Estariam a ver o Neil Patrick Harris", brincou o comediante de 51 anos. “Porquê estes Óscares?”, questionou-se, lembrando que a ausência de nomeados negros aconteceu nos anos 1950 ou 60. “Os negros não protestaram. Porquê? Porque tínhamos coisas a sério contra que protestar na altura. Estávamos demasiado ocupados a ser violados e linchados para querer saber quem ganhou a Melhor Fotografia!”

O tema é abordado, a sua importância sublinhada, mas esvaziado do belicismo e das interpretações mais coladas à imagem de quotas – a polémica dos #OscarsSoWhite "não é sobre um boicote. Queremos oportunidades. Queremos que os actores negros tenham as mesmas oportunidades", concluiu Rock.

Em 2005, Chris Rock apresentou pela primeira vez os Óscares (foi o primeiro negro a fazê-lo a solo, precedido por Whoopi Goldberg e pela dupla Richard Pryor e Sammy Davis Jr.). E depois de não ter sido unânime na actuação – uns acharam-no demasiado contido, outros demasiado abrasivo – Rock disse a David Letterman que “sim”, voltaria a ser mestre-de-cerimónias – “se houver muitos negros”.

Não era bem o caso das nomeações dos 88.ºs Óscares, que na madrugada de domingo para segunda-feira devolveram Rock ao palco com alguns ausentes de peso na sala – Jada Pinkett-Smith e Will Smith, Spike Lee, Michael Moore, Ava DuVernay ou Ryan Coogler, realizador de O Legado de Rocky, foram para outras paragens. Por outro lado, a cerimónia estava povoada de apresentadores, convidados e premiados que a pintavam com a diversidade étnica, sexual e de género e com momentos pungentes como a actuação de Lady Gaga rematada por sobreviventes de abusos sexuais. 

Num pequeno segmento de vídeo, Chris Rock regressou ao tema “oportunidades para os actores negros” – Whoopi Goldberg nas filmagens de Joy a tentar dar uma ajuda a Jennifer Lawrence e a Bradley Cooper, Tracy Morgan como A Rapariga Dinamarquesa, Leslie Jones como o urso de O Renascido ou o próprio Chris Rock Perdido em Marte. Mais à frente, novo vídeo, desta feita apresentado por Angela Bassett, em que se homenageava uma figura incontornável – é o Mês da História Negra, ou, no inglês original, Black History Month, e queriam homenagear o actor, realizador, comediante, músico que entra em Perigo PúblicoO Gang dos Tubarões... o seu rosto ou nome a surgir nos posters de cada um dos filmes, lá está ele, Will Smith... mas não, é Jack Black, que é Black e também participa nos dois títulos (o casal Smith a tornar-se a punchline das piadas da noite).

Na rua, no Hollywood Boulevard, o reverendo Al Sharpton prometia continuar a protestar com dezenas de manifestantes até que fossem reconhecidos artistas de diferentes proveniências. Na sala, o tema não desaparecia, pontuava: mais um vídeo recuperava uma ideia já explorada por Chris Rock em 2005 – sair à rua para ouvir afro-americanos sobre os filmes nomeados, mas desta vez também sobre o tema das nomeações 100% brancas.

Minutos antes, as filhas de Rock e as amigas, vestidas de escuteiras, pululavam pela plateia a vender bolachas e vários apresentadores ou vencedores (Kevin Hart, Iñárritu) deixavam mensagens pelo fim do preconceito. Um ambiente que se queria leve, com dróides e Mínimos em palco, e o espectáculo que os Óscares sempre foram continuará. A presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, faria da sua intervenção rotineira na cerimónia um resumo da reacção da Academia à questão. "Oportunidade", "diversidade", "responsabilidade". Numa noite em que a cultura popular parecia estar à espera do gif que ia fazer da vitória de Leonardo DiCaprio, e que até aí estava entretida com os 65 mil dólares angariados pelas Escuteiras de Los Angeles, Isaacs citou Martin Luther King Jr. sobre o assumir de posições e parafraseou Stan Lee: "Com a oportunidade de trabalhar [em Hollywood] vem grande responsabilidade".

“Hollywood é racista?”, perguntava então Chris Rock no monólogo de abertura. Do género de “queimar cruzes?". "Não”, respondeu, numa referência ao Ku Klux Klan. “É racista do tipo irmandade” das repúblicas universitárias. “Gostamos de ti, mas não és uma Kappa”, não pertences ao clube, mimetizou, humorado. Com a cerimónia a chegar ao fim, deu as boas-noites e reiterou que as Black Lives Matter [as vidas negras contam, numa referência ao movimento que combate a violência policial contra os negros], enquanto a música de encerramento subia de volume para o genérico passar: Fight the Power, dos Public Enemy.

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