Mute, a Berlim futurista de Duncan Jones

O realizador que é filho de David Bowie volta com um filme dedicado ao pai que é uma sequela espiritual de Moon: O Outro Lado da Lua, a obra com que se estreou em 2009. Chegou esta sexta-feira ao Netflix, que finalmente deu a Jones a oportunidade de acabar um filme que foi planeado há 16 anos.

<i>Mute</i> segue um <i>barman</i> Amish e mudo à procura da namorada numa Berlim futurista
Fotogaleria
Mute segue um barman Amish e mudo à procura da namorada numa Berlim futurista Netflix
Paul Rudd tem as patilhas e o bigode de Elliott Gould em <i>M*A*S*H</i>
Fotogaleria
Paul Rudd tem as patilhas e o bigode de Elliott Gould em M*A*S*H Netflix

Mute é o quarto filme de Duncan Jones, mas era para ter sido o primeiro. E depois o segundo. Foi idealizado antes de Moon: O Outro Lado da Lua, o filme com Sam Rockwell passado numa estação espacial que fez Jones, que é filho de David Bowie, notar-se em 2009. Aliás, Moon só foi feito porque o realizador não conseguia financiamento para Mute, e era para ter sido feito logo a seguir, mas tal não aconteceu. Este novo filme demorou 16 anos a acontecer, e isso deveu-se ao Netflix, ao qual chegou esta sexta-feira. Moon e Mute estão relacionados: passam-se no mesmo universo, e Sam Rockwell dá um ar da sua graça em Mute, na mesma personagem que interpretou na primeira obra do realizador. Ainda há um terceiro planeado.

O filme, a que Jones se tem referido como "sequela espiritual" de Moon, é um noir futurista em que Leo (Alexander Skarsgård), um barman mudo e Amish (a mãe nunca o deixou submeter-se a uma operação que lhe devolvesse a voz desde que a perdeu em pequeno, num acidente que abre o filme), parte à procura da misteriosa namorada e colega de trabalho, Naadirah (Seyneb Saleh), no submundo de Berlim – cidade onde, notoriamente, o pai de Jones passou bastante tempo – de daqui a mais ou menos meio século. 

É perturbante – há pedofilia à mistura – e violento (com direito a bastante sangue) e visualmente impressionante enquanto explora temas à volta da paternidade – ao Deadline, Jones explicou que o filme tinha que ver com "olhar para os pais como sendo bons e maus ao mesmo tempo". Tem ecos de Blade Runner, mas também tem cenas passadas de dia com um carácter soalheiro que não remete para o filme de Ridley Scott.

Naadirah praticamente só existe para o avançar da história, mas a parca presença dela é uma das melhores partes do filme, tal como os vilões, interpretados por Paul Rudd e Justin Theroux. Fazem de dois cirurgiões americanos, ex-militares que desertaram e são inspirados, respectivamente, nas personagens de Elliott Gould e Donald Sutherland em M*A*S*H. Rudd e Theroux trocam galhardetes como no filme de Robert Altman e são caracterizados como os actores dos anos 1970: Rudd, que é raramente dado a papéis destes, é extremamente rude com as pessoas em geral mas fofinho com a filha, e usa fartas patilhas, bigode e camisas de manga curta com padrão tropical por baixo de casacos de Inverno, enquanto Theroux, difícil de reconhecer com óculos redondos postos e cabelo pintado, tem muito de perturbador a esconder-se por detrás de uma cara e atitude afáveis.

A personagem de Rudd, Cactus, trabalha para o mafioso que é dono do mesmo clube onde Leo e Naadirah são empregados, e quer documentos falsos para fugir de Berlim e voltar à América com a filha, e acaba por se cruzar com a demanda de Leo. Em entrevistas, Jones tem dito que imaginou como seria se os protagonistas de Altman, que parecem o tipo de pessoa com quem o realizador gostaria de conviver mas são horríveis para aqueles de quem não gostam, fossem maus em vez de bons.

Este é um filme em que há momentos de violência contra mulheres e masculinidade tóxica, com personagens que sentem que as mulheres lhes pertencem e são um direito constituído, mas a filha de Cactus acaba por ser das poucas personagens femininas com algum peso na história (e mesmo assim nunca vemos a perspectiva dela). Essa relação de pai e filha sublinha que a intenção de Jones era explorar o tema da paternidade e, passadas duas horas do filme, os créditos confirmam-no outra vez, ao serem dedicados a Bowie, o seu pai que morreu em 2016, e a Marion Skene, a ama que ajudou a educar o realizador quando os seus pais se separaram e que morreu em 2017. O filme foi feito, lê-se, "em memória daqueles que se tornaram pais". Jones podia também ter-se lembrado das mães.

Sugerir correcção
Comentar