Uma bienal sob o signo do espaço livre

Duas curadoras irlandesas escolheram “espaço livre” como tema desta bienal. De Portugal, entre pavilhão nacional e exposição internacional, há muita arquitectura para ver.

Mimar Sinan Universidade de Belas Artes, Arquiteto, Seda Sokak
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Um Banco para 100 Pessoas, Inês Lobo Andrea Avezzù/Cortesia Bienal de Veneza
Teatro La Fenice
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Paolo Baratta com as curadoras Yvonne Farrell (à direita) e Shelley McNamara na Corderie dell’Arsenale LUSA/ANDREA MEROLA
Arquitetura, M - Museu Leuven, Museu
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Evasão, de Álvaro Siza Andrea Avezzù/Cortesia Bienal de Veneza
Bienal de Veneza da Arquitetura
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Paolo Baratta com as curadoras Yvonne Farrell (à direita) e Shelley McNamara LUSA/ANDREA MEROLA

Quando o Leão de Ouro para o arquitecto português Eduardo Souto de Moura foi anunciado no sábado de manhã, lembrámo-nos de uma conversa com a curadora Yvonne Farrell sobre aquilo que tinha pedido aos 100 arquitectos para mostrarem nesta 16.ª edição da Bienal de Arquitectura de Veneza. “Pedimos às pessoas para comunicarem arquitectura”, disse ao PÚBLICO Yvonne Farrell, que juntamente com Shelley McNamara é responsável pela escolha do tema geral desta bienal, “espaço livre/freespace”, à volta do qual se organiza a exposição que deu o prémio a Souto de Moura.

O conceito, demasiado vago e ele próprio evocador de liberdade, foi apropriado de várias maneiras: deu para trazer a Veneza a instalação-escultura de Álvaro Siza ou para mostrar 12 edifícios públicos no Pavilhão de Portugal.

“Se achássemos que um projecto começava a ficar muito abstracto, muito afastado da arquitectura, falávamos com os arquitectos”, disse Yvonne Farrell ao PÚBLICO depois do encontro com os jornalistas que teve lugar na quarta-feira, no primeiro dia das visitas para profissionais, antes da abertura da bienal ao público neste sábado. “Queremos comunicar arquitectura para aqueles que não são arquitectos porque, se quisermos aumentar o desejo por arquitectura, como nos pediu a bienal, as pessoas comuns têm de ser envolvidas. Nós queremos que os arquitectos comuniquem um espaço com qualidade, o que já é muito complexo.”

“O que é espaço livre?”, perguntaram as próprias curadoras irlandesas no início da conferência de imprensa. Se a palavra “espaço” era obrigatória, defendeu Yvonne Farrell, já a palavra “livre”, mais comunicativa, é capaz de falar “do espírito de generosidade, de um sentido de humanidade que temos de encontrar em cada projecto”, mesmo nas condições mais adversas.

A conferência de imprensa tinha começado com Paolo Baratta, o presidente da bienal, a falar de números: foram convidados 71 arquitectos para a exposição Espaço Livre, sem contar com as duas secções especiais, uma dedicada à relação do ensino com a prática da arquitectura, onde estão mais 13 arquitectos, e outra que fala de edifícios excepcionais, pondo o foco em mais 16.

Por isso, são 100 arquitectos ao todo, feitas as contas, a que se juntam ainda os arquitectos representados pelos 63 pavilhões nacionais. Apenas de Portugal, entre os participantes nas exposições internacional e nacional, mostra-se em Veneza o trabalho de 31 arquitectos.

Entre os 71 convidados da exposição principal, aqueles cujo trabalho foi avaliado pelo júri, estão três arquitectos portugueses – Álvaro Siza com uma instalação-escultura, Souto de Moura com o complexo turístico de São Lourenço do Barrocal, já premiado, e Inês Lobo com o redesenho de uma praça em Itália.

Depois, estão também presentes os irmãos Francisco e Manuel Aires Mateus e os arquitectos paisagistas João Nunes e João Gomes de Silva, que foram convidados para a secção especial dedicada à relação entre o ensino e a prática arquitectónica – os quatro dão aulas na Accademia di Architettura de Mendrisio (Suíça).

Álvaro Siza, que este ano não veio a Veneza à inauguração da bienal depois de no ano passado ter sido o tema do Pavilhão de Portugal, desenhou uma parede curva, que esconde uma escultura, a que chamou Evasão, explicou-nos durante uma conversa telefónica. “Faço uma escultura em mármore de Estremoz e o resto é uma construção temporária em cartão-gesso. A instalação tem também um banco em pedra calcária de Veneza.”

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Evasão de Álvaro Siza Andrea Avezzù

Para a curadora Shelley McNamara não se trata bem de uma instalação, de uma obra de arte, mas de um espaço livre feito por um dos mestres deste tema. “É uma escultura, um banco de mármore, a luz que entra pela janela e vem do Sul. É um sítio muito bonito”, comentou ao PÚBLICO.

Um banco para mais de 100 pessoas

As curadoras gostam de bancos que, como defenderam no seu manifesto para a bienal, são capazes de criar um espaço de boas-vindas, à imagem do que acontece na casa de Jørn Utzon em Maiorca, o arquitecto da Ópera de Sydney. Por isso, como referiram, também espalharam bancos para as pessoas se poderem sentar por toda a bienal, com muitas formas e feitios.

Um Banco para 100 Pessoas, terminado este ano em Itália, é o sugestivo nome do projecto de Inês Lobo para organizar uma praça em Bérgamo que se mostra na exposição. Com 80 metros de diâmetro, é uma estrutura construída em betão branco onde, na verdade, se podem sentar mil pessoas.  

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Um Banco para 100 pessoas de Inês Lobo Andrea Avezzù

“Espaço livre”, concedem as duas, pode ser apropriado de várias maneiras, até como “espaço público”, como fez o Pavilhão de Portugal, mas “o espaço contido pela materialidade é o que [lhes] interessa”. As duas curadoras fizeram uma lista das coisas usadas pelos arquitectos presentes na exposição Espaço Livre e encontraram materiais inusitados, como “barro, neve, pele, bambu”, enumerou Yvonne Farrell no encontro com os jornalistas. Depois, referiram que arquitectura é feita de coisas como “luz e sombra” ou “do cheiro a bambu queimado”, coisas bem menos materiais.

Yvonne Farrell e Shelley McNamara afirmam-se como arquitectas, aquilo que eram antes de se terem transformado em curadoras, e defendem que sublinharam aos seus colegas que não queriam algo que se pudesse também encontrar numa bienal de arte, antes pelo contrário. “Quisemos mostrar um espectro grande da inteligência da arquitectura. Se algumas pessoas mostram azulejos, coisas simples, outras têm projectos complexos.”

Talvez se perceba melhor o conceito de espaço livre se olharmos para os projectos do atelier Grafton Architects, que as duas fundaram em 1978 em Dublin, na Irlanda. Uma das suas obras mais conhecidas, a Universidade de Engenharia e Tecnologia de Lima (Peru), que esteve na bienal do ano passado, consegue organizar um campus universitário em altura: num edifício com dez pisos as arquitectas desenharam inusitados espaços de circulação exteriores, muito amplos, que emprestam ao edifício um perfil semelhante ao de um estádio de futebol. De alguns ângulos faz lembrar, precisamente, o Estádio de Braga, de Eduardo Souto de Moura.

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