Os Endless Boogie, banda sem tempo, sem princípio e sem fim, esta noite na ZDB

A banda nova-iorquina liderada por Paul Major, segredo cada vez menos bem guardado do rock'n'roll, e ainda bem, regressa a Lisboa com Vibe Killer.

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Os Endless Boogie regressam para o segundo concerto em Portugal, quatro anos depois DR

Endless Boogie, como no álbum de 1971 de John Lee Hooker. “Endless boogie”, como exclamamos, em bom e justo estrangeiro, ao fim dos habituais sete, oito minutos, de uma canção, ao fim dos habituais 70, 80 minutos, de um álbum da banda de Paul Major. São uma preciosidade sem tempo e, quatro anos depois da estreia, vamos poder reencontrá-la em Portugal, novamente na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. É este terça-feira, às 22h (bilhetes a 10€).

Formados no final dos anos 1990 por um veterano rock’n’roll, Paul Major, com trajectória irregular desde a década de 1970, percurso que conjugava com o de coleccionador, de supremo respigador de pérolas de psicadelismos vários escondidos nos lugares mais obscuros, a que se juntaram três funcionários da editora Matador, os Endless Boogie foram solidificando o seu percurso – leia-se, editando álbuns e cumprindo digressões que alastraram de Nova Iorque ao resto dos Estados Unidos, dos Estados Unidos à Europa – desde que, em 2001, Stephen Malkmus, entusiasmado pelas cassetes registadas em salas de ensaios, os convida para actuarem nas primeiras partes da sua digressão desse ano.

O convite foi recebido com surpresa e com alguma inquietação. Na sala de ensaios, olharam uns para os outros, questionando-se, “como vamos fazer isto?”. A resposta deu-a Paul Major. Recordou-a ao Ípsilon em 2009, quando da distribuição em Portugal do álbum Focus Level, editado no ano anterior. “Não pensamos. Fazemo-lo simplesmente. Aparecemos e tocamos as canções”. A simplicidade da resposta guarda uma verdade essencial sobre a banda – e uma realidade mais complexa.

Os Endless Boogie, tanto em estúdio como em concerto, parecem realmente “aparecer e tocar”, sem mais. As suas canções são formadas por um riff, com milimétricas variações ocasionais, ou pelo capturar de um “boogie” extraído de um sul rock’n’roll mítico (o Southern rock americano), sobre o qual Major lança a sua voz feita grunhido em tom grave, ora vagamente cantada, ora num regime de palavra falada enrouquecida – há ecos de Captain Beefheart a fazerem-se ouvir por aqui. Mas, desde que aparecem até ao momento em que param de tocar, esse movimento pulsante a que se entregam, essa prolongada entrega ao prazer do riff e da jam sem destino certo, escondem subtilezas menos óbvias entre o prazer tão exposto (o deles, o nosso) em deixar que a cavalgada sónica guie cada passo na direcção certa.

Os Endless Boogie ouviram muita música (e Paul Major ouviu ainda mais). O que há neles de jam blues é tanto quanto o que há de consciência do poder da repetição, tal como nos ensinaram os bravos alemães do kraut, os Velvet Underground ou os Suicide. E o que há neles de memória é uma história que foge o mais possível aos clichés. No álbum mais recente, Vibe Killer, editado este ano, até encontramos a história de um concerto improvável dos Kiss nos idos de 1970 (Back in’74), mas não é a isso que nos referimos.

Falamos de um percurso, o de Major, que inclui um duo acid-folk chamado Moby Dogs que se dedicava a fazer versões dos Velvet Underground ou dos Stooges e, mais tarde, de uns Sorcerers que tocavam hard-rock psicadélico, à Hawkwind, na Nova Iorque punk de Ramones ou Television. Falamos daquilo que descobrimos em Feel the Music: The Psychedelic Worlds of Paul Major, livro publicado pela Anthology Editions este Verão. É a história de Major, nascido no Kentucky e migrado para a Califórnia até chegar a Nova Iorque no final da década de 1970. É a história de alguém que transformou a sua devoção pelos discos mais obscuros num negócio de venda de álbuns por correspondência cujos catálogos são verdadeiras enciclopédias de raridades compondo um mosaico alternativo da história da música rock.

Os Endless Boogie não são a mistura de todas essas bandas numa banda só. São a banda que nasce quando alguém com tanta dessa vida e informação na cabeça se junta a outros músicos com espírito semelhante e não pensa. Deixa que a música flua simplesmente. O resultado são os Endless Boogie, banda sem princípio e sem fim. Banda sem tempo, como testemunhámos em 2013, como se testemunhará novamente esta terça-feira na ZDB.

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