Patton Oswalt lida com a morte da mulher no Netflix

O cómico de stand-up norte-americano lançou Annihilation esta terça-feira.

Foto
O cómico de stand-up Patton Oswalt lida com a morte da mulher em Annihilation Netflix

Em Abril de 2016, Michelle McNamara, que escrevia sobre crimes da vida real e tentava resolver casos que nunca tinham sido fechados, morreu. Tinha 46 anos. O marido dela, o cómico de stand-up e actor Patton Oswalt, com quem era casada há 11 anos, ficou com a tarefa de educar a filha de ambos sozinho. No dia seguinte, Talking for Clapping, o primeiro especial de Oswalt para o Netflix, chegou àquele serviço de streaming. Como é natural, não se referia, de todo, à sua tragédia pessoal, mas mencionava Michelle, o que tornava algo bizarra a tarefa de ver o especial com conhecimento do sucedido.

Annihilation, o sucessor que está disponível desde esta terça-feira, foi gravado ao vivo em Chicago e encara de frente a morte e o que aconteceu depois dela. É uma experiência simultaneamente tocante, honesta, hilariante e completamente indecente, como é expectável de alguém que, num dos seus melhores bits, a falar sobre o lendário produtor de Hollywood Robert Evans, utiliza a frase “o recto humano é quase aterradoramente elástico” – uma faceta do seu humor que, diz ele no especial, era bastante apreciada pela defunta mulher.

A parte sobre a mulher e o pesar só chega lá para o meio do especial, mas dá pungência ao resto, que inclui tiradas sobre Trump (“um escroto racista mergulhado em pó de Cheetos”), as pessoas que acham que há um genocídio em marcha porque os brancos, que mandavam em 99,9% de tudo, agora só mandam em 96,4%, testes de ADN (quase todas as pessoas são da família de Gengis Khan, pelos vistos), chamadas pré-gravadas que vendem timeshares ou a luta a que Patton Oswalt assistiu no ano 2000 e lhe deu esperança na Humanidade. Fora da tragédia, há também tempo para interacções com o público, com o cómico a conversar com uma relações públicas de uma cooperativa de crédito, um engenheiro civil e um escritor de comédia que trabalha para o The Onion.

Até chegar à morte da mulher, mesmo alguém que sabe que será inevitável Oswalt tratar a tragédia que tem ocupado os últimos 18 meses da sua vida pode perfeitamente esquecer-se disso e sentir-se em segurança, como se este fosse um especial normal. Mas o momento chega. E, com ele, segmentos inteiros em que quase não há piadas, nem tentativas de, só alguém a lidar com algo que lhe aconteceu. Quando estas chegam, são por isso mais catárticas.

Oswalt fala sobre contar à filha de sete anos que a mãe morreu e sobre lidar com a dor e a incredulidade, reflectindo sobre o facto de não ter conseguido encontrar conforto na cultura pop (os livros, os filmes e banda desenhada que sempre estiveram lá para ele), entre outros temas. O especial pode ser complicado e triste, mas, mesmo que teime em não chegar, há sempre uma piada, um momento de leveza e de rir da tragédia ao virar da esquina. Como quando Oswalt descobre a razão pela qual os super-heróis que sofreram uma perda na vida vão sempre visitar as campas dos seus entes queridos à noite, quando os cemitérios estão encerrados.

A falta de ordem no mundo, seja pela ascensão de Trump e pela nova normalidade de a cada dia acontecer algo no Twitter mais rebuscado do que no dia anterior, seja pela arbitrariedade da morte de alguém amado, são também um foco grande deste especial. Oswalt, diz o próprio, acreditava que havia alguma organização nisto tudo. McNamara não. Tinha um mantra (“É tudo caos, sê gentil”), que orienta o especial todo. Não é um mau lema.

Sugerir correcção
Comentar