Sam Smith, os Óscares e a comunidade LGBT: a polémica continua

Cantor britânico distinguido pela sua canção para o último 007 não foi afinal o primeiro homossexual a ser premiado pela Academia de Hollywood. E depois da polémica, vai sair por uns tempos do Twitter.

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Sam Smith (à direita) com Jimmy Napes a receber os Óscares DANNY MOLOSHOK/ REUTERS

Normalmente diz-se que a distinção com um Óscar muda, e melhora, a carreira de quem o recebe, seja actor, cantor, argumentista, técnico. Se essa é a regra, nem sempre isso acontece, de facto. E se ainda é cedo para avaliar que efeito poderá ter a conquista, por parte do jovem cantor inglês Sam Smith, do Óscar para a melhor canção original (em parceria com Jimmy Napes), por Writing’s on the wall, feita para o mais recente filme da série 007Spectre, a verdade é que os dias que se seguiram à cerimónia no Dolby Theatre em Los Angeles não têm sido amenos para o intérprete. E agora anunciou que vai abandonar o Twitter por uns tempos.

No momento em que subiu ao palco para receber a estatueta, e após uma interpretação da canção que o próprio considerou, à BBC, “uma actuação horrível”, Sam Smith decidiu homenagear a comunidade mundial LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais). Recordemos a sua declaração, emocionada: “Li num artigo há alguns meses que Sir Ian McKellen disse que um homem assumidamente homossexual nunca tinha ganho um Óscar. Se é assim, quero dedicar este prémio à comunidade LGBT em todo o mundo. Estou aqui, esta noite, como orgulhoso homossexual. Espero que algum dia todos possamos estar juntos e ver-nos como iguais."

As reacções não se fizeram esperar, e foram-se sucedendo nos dias seguintes, entre as redes sociais, a imprensa da especialidade e as páginas de fait-divers de outras publicações. A mais imediata foi a do argumentista americano Dustin Lance Black, que, no Twitter, lembrou a Smith o Óscar que recebeu, em 2009, pelo argumento original de Milk (Gus van Sant), filme que valeu também a Sean Penn o prémio de melhor actor.

“Se não fazes a mínima ideia de quem sou, podias parar de enviar mensagens ao meu namorado”, escreveu Black, referindo-se ao seu companheiro, o nadador olímpico inglês Tom Daley. 

O intérprete de Writing’s on the Wall levou a sério o “recado” de Black, e – diz a BBC – respondeu-lhe assim: “Ser o segundo, ou o terceiro, ou o quarto, ou o centésimo homossexual assumido a ganhar o Óscar… Não era essa a questão. A minha preocupação era dar visibilidade à comunidade LGBT, que tanto amo." Sam Smith – que no ano passado foi o grande vencedor dos Grammys, com quatro prémios – pediu inclusivamente desculpa a Lance Black por ter interpretado mal as palavras de Ian McKellen. “Prometo, a partir de agora, ver todos os teus filmes, e parabéns atrasados pelo teu Óscar”, acrescentou. Ao que o argumentista de Milk reagiu, explicando que tinha apenas querido fazer “uma graça”...

O facto de a cerimónia dos Óscares ter decorrido, este ano, sob uma atmosfera de grande controvérsia, com boicotes de membros da comunidade negra e de outros grupos étnicos e minorias a contestar a sua exclusão das nomeações para os prémios de Hollywood contribuiu certamente para a forma emotiva como Sam Smith falou no palco do Dolby Theatre. E também para o empolamento de palavras e intervenções que noutras circunstâncias seriam esquecidas no dia seguinte.

Mas quem quis pôr a história no seu devido lugar foi, por exemplo, a revista Rolling Stone, que logo no dia a seguir à cerimónia recordou 11 membros da comunidade LGBT que, desde o início da década de 1970, foram distinguidos pela Academia de Hollywood. Nessa lista, cronologicamente iniciada por John Schlesinger, vencedor do Óscar de melhor realizador pelo seu O Cowboy da Meia-Noite (1969), encontram-se também os nomes de Sir John Gielgud, melhor actor secundário, em 1981, por Arthur; Elton John, distinguido em 1995 para a melhor canção original por Can you feel the love tonight, no filme de animação O Rei Leão; Bill Condon, melhor argumento adaptado, em 1999, por Deuses e Monstros; ou da cantora Melissa Etheridge, em 2007, pela canção original I need to wake up, no documentário Uma Verdade Inconveniente.

E a Rolling Stone lembra também o caso de Jodie Foster, vencedora de dois Óscares de melhor actriz em 1989 (Os Acusados) e 1992 (O Silêncio dos Inocentes), que só mais tarde falou abertamente sobre a sua vida pessoal e a sua orientação sexual.

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