Do subfinanciamento ao subaproveitamento de jovens e da província

Sugeri que esses teatros acolhessem grupos de jovens criadores com uma quota de ‘sobre-subsídio’. Não entendeu assim quem leu – se alguém sequer leu.

Quando Augusto M. Seabra, António Pinto S. Ribeiro e alguns mais intelectuais e artistas escreveram uma Carta Aberta a António Costa a queixarem-se da inexistência de medidas para a Cultura no PRR, o Primeiro-Ministro contra-respondeu a dizer que iam muito a tempo de fazer sugestões, desafiando os artistas para tal. Eu, como provavelmente sou ingénuo, tomei o desafio a sério e escrevi nas sugestões para o PRR, mesmo não tendo feito parte do documento e vivendo a mais de 300 km da ‘capital do Império’, na ‘Invicta’. E fi-lo com uma sugestão que, a mim, directa ou indirectamente, não trazia uma ponta de interesse ou benefício pessoal: nem a mim, nem à estrutura que dirijo, a Seiva Trupe.

Mas começo por explicar antes que estou entre aqueles que, considerando o subfinanciamento gritante para o sector da Cultura, e dentro dele o subfinanciamento para a DGArtes, tenho sido, até aqui por várias vezes, muito crítico da dispersão de verbas em excesso de estruturas apoiadas. Disso e do irrealismo do número de licenciados em teatro (e de formados pelo ‘técnico-profissional’ de actores), cujo resultado e vender sonhos a centenas de jovens, que acabam, necessariamente perante a oferta de mercado (e subfinanciada) na linha de caixa de um supermercado ou numa empresa qualquer da restauração.

Dito isto, vamos à sugestão, ainda por cima a par da criação (e previsível e previsto alargamento) da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses).

Sugeri, como uma discriminação positiva, que esses teatros acolhessem grupos de jovens criadores com uma quota de ‘sobre-subsídio’ para quem apresentasse a disponibilidade de dar garantia de trabalhar neles, na Província (podendo variar mesmo em função de lugares menos apetecíveis, como o interior), durante um mínimo de 10 anos e com um Caderno de Encargos específico. Dentro do qual se incluiriam acções de formação de combate à iliteracia teatral do público e aos jovens locais para fomentar o interesse pelo Teatro e, lentamente, lhes ir abrindo portas para, de entre os mais capazes e interessados, se virem a incluir como estagiários desses mesmos grupos. Era, imaginava eu, uma forma de dar resposta imediata (depois há outras estruturais) ao exagero de formados como actores e de os fazer deslocar (pela discriminação positiva) para as zonas mais carenciadas na Província.

Não entendeu assim quem leu – se alguém sequer leu – a proposta e sobre quem tais coisas decide, ou não decide. Mas, noutro quadro, sem a magnitude dos meios do PRR (de que, no sector da Cultura, 70% ficou na Área Metropolitana de Lisboa). Numa futura revisão das normas de Concursos da DGArtes, quiçá mesmo antes disso, com a dotação de uma verba suplementar em concurso próprio a abrir para o efeito: certamente palavras que terão o mesmo tratamento do que as sugestões dadas. Mas que têm a vantagem de não se poder argumentar para defesa da inércia (e continuidade de uma política que dispersa inconsequentemente verbas e reforça o excesso de concentração delas na capital ou às suas portas) com a falta de sugestões muito concretas que combatam esses males, repetidos há dezenas de anos. Essa e, como o que tanto aqui escrevo, ficará para memória futura.

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