Testemunha de novo julgamento diz que R. Kelly teve sexo com ela “centenas” de vezes quando era menor

Músico está de novo a ser julgado, não só por abusos sexuais mas também por produção de pornografia infantil e obstrução à justiça. Primeiros contactos sexuais com “Jane” alegadamente começaram quando esta tinha 14 anos.

Foto
Esboço de tribunal de R. Kelly durante o julgamento, esta semana JANE ROSENBERG/Reuters

O cantor norte-americano R. Kelly, que já foi condenado a 30 anos de prisão por abuso sexual de menores, começou esta semana a ser julgado por uma série de outros crimes do mesmo tipo ou que envolvem produção de pornografia infantil. O caso actual assenta sobretudo no testemunho de uma mulher que hoje tem 37 anos e que diz que manteve relações sexuais com R. Kelly “centenas” de vezes antes de ser maior de idade.

O julgamento actual, que decorre em Chicago, teve na quinta-feira o seu pico, com o testemunho da principal queixosa, identificada apenas como “Jane” para proteger a sua identidade. A mulher diz que os contactos sexuais com o cantor começaram quando tinha apenas 14 anos, cita a Associated Press. R. Kelly ter-lhe-á então tocado nas mamas e noutras partes do corpo, relata ainda a agência dando conta do depoimento em tribunal. Ao júri encarregue de analisar este caso foram também mostradas partes de quatro vídeos de conteúdo explícito que o músico terá feito com a testemunha.

Os alegados comportamentos abusivos de R. Kelly com raparigas menores geraram muitos rumores ao longo das últimas décadas; o julgamento que decorreu no ano passado, e em que várias vítimas detalharam não só os actos sexuais a que foram submetidas sem terem idade para os consentir, mas também a teia de manipulação e isolamento em que o músico as manteve durante largos períodos de tempo, foi o culminar dessas suspeitas.

Muitas das acusações contra o cantor de I believe I can fly foram discutidas e expostas na série documental Surviving R. Kelly, de 2019, que iniciou uma espécie de bola de neve mediática a que a era #MeToo veio dar outro arcaboiço junto da opinião pública. A 29 de Junho deste ano, R. Kelly era formalmente condenado a 30 anos de prisão por ter tirado partido da sua fama para sujeitar jovens admiradores a abusos sexuais sistemáticos.

Sexo, dinheiro e grooming

O novo julgamento que se iniciou esta segunda-feira em Chicago diz respeito às acusações de posse de pornografia infantil, exploração sexual de crianças e obstrução à justiça. Deste crime, relacionado com outro caso de posse de pornografia infantil que em 2008 chegou à justiça mas terminou com a absolvição de R. Kelly, são também acusados o seu ex-manager Derrel McDavid e um seu alegado cúmplice, Milton “June” Brown, que terão tentado subornar e ameaçar testemunhas. Os três homens declararam-se inocentes.

A agência Reuters notava há dias que a advogada de Robert Kelly pediu que fosse excluída da lista de jurados qualquer pessoa que tivesse visto Surviving R. Kelly. A equipa de defesa do cantor, cita a BBC, frisa que ele “não é um monstro” e que merece um julgamento justo. “Jane” e um dos vídeos em que estará a ter relações sexuais com R. Kelly sendo ela menor de idade foram também alvo de análise no julgamento de 2008; tanto a testemunha como o cantor negaram então ser eles na gravação.

Esta quinta-feira, “Jane” afirmou que teve relações sexuais com R. Kelly “vezes sem conta” a partir dos seus 15 anos. Foram duas horas de depoimento em que também detalhou encontros sexuais que o cantor terá gravado, nalguns dos quais lhe chama “papá”; num deles, o músico parece estar a dar-lhe dinheiro. Citada pelo diário local Chicago Tribune, “Jane” explicou que tal terá acontecido porque Kelly planeava, “caso o vídeo fosse tornado público por alguma razão”, dizer que a alegada vítima “era uma prostituta”.

A queixosa explicou ainda que tentou proteger R. Kelly durante o julgamento de 2008, reiterando um contexto tornado público já no julgamento de 2021: as jovens com quem o cantor mantinha relações sexuais eram suas fãs e, como tal, manipuladas (“groomed”, no léxico inglês relacionado com a sedução de vítimas menores de crimes sexuais) para acreditar que mantinham relações consensuais e amorosas com o seu ídolo. A defesa de Kelly argumenta que algumas das pessoas que testemunham contra ele são “criminosos” e que no passado receberam dinheiro do músico. Os procuradores acusam precisamente Kelly de ter pago a “Jane” para não testemunhar em 2008.

“Jane” era afilhada de R. Kelly, apadrinhamento que foi a própria a pedir-lhe porque considerava que ele poderia ser seu mentor na música. A jovem era então uma cantora amadora, e inicialmente foi a sua tia a acompanhá-la ao estúdio do cantor. Com o passar do tempo, Kelly terá pagado férias e viagens aos pais e familiares da alegada vítima, isolando-a cada vez mais durante essas viagens.

Se for condenado, Kelly poderá contar com mais anos de prisão após a sentença anterior que já lhe garantiu três décadas encarcerado — na altura do primeiro julgamento, estimava-se que arriscava mesmo cumprir prisão perpétua.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários