Torto Arado de Itamar Vieira Junior é o romance vencedor do Prémio Leya

O autor brasileiro Itamar Vieira Junior ganhou com um romance sobre o universo rural do Brasil que tem mulheres por protagonistas.

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Itamar Vieira Junior dr
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Manuel Alegre é presidente do júri NFACTOS / FERNANDO VELUDO

Itamar Vieira Junior é o vencedor do Prémio Leya 2018 com o romance Torto Arado. O júri justificou a atribuição do prémio ao autor baiano “pela solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo num contexto dominado pela sociedade patriarcal”. O prémio, no valor de 100 mil euros, foi atribuído por unanimidade e o anúncio foi feito esta quarta-feira, na sede do Grupo Leya, em Alfragide. A partir de 348 candidatos, o vencedor foi escolhido pelo júri entre sete finalistas.

Manuel Alegre, presidente do júri que mesmo assim não participou na votação por não ter lido as obras todas, afirmou que “nunca houve tantos finalistas não-portugueses” no prémio, mencionando que dois dos autores eram moçambicanos e três brasileiros. Ainda mencionou, durante a cerimónia, a “coincidência feliz” de Itamar Vieira Junior estar também nomeado este ano para o prémio brasileiro de literatura Jabuti, na categoria de conto, graças ao seu livro A Oração do Carrasco.

Nesta edição passaram a integrar o júri do Prémio Leya a escritora e poeta angolana Ana Paula Tavares, a jornalista e crítica literária portuguesa Isabel Lucas (colaboradora do PÚBLICO) e o editor, jornalista e tradutor brasileiro Paulo Werneck (editor da revista Quatro Cinco Um). Mantêm-se no júri Lourenço do Rosário, Professor de Letras e antigo reitor da Universidade Politécnica de Maputo, José Carlos Seabra Pereira, Professor de Literatura Portuguesa na Universidade de Coimbra, Nuno Júdice e Manuel Alegre (presidente do júri), ambos poetas e escritores.

Nuno Júdice, durante a cerimónia, notou que Torto Arado, que dá nome ao romance, é um termo muito utilizado na obra do poeta dos séculos XVIII e XIX, Tomás António Gonzaga. Ao PÚBLICO, Ana Paula Tavares realça “a capacidade de manter o nível da narrativa” do livro vencedor, a sua “elegância poética que se mantém do princípio ao fim”, bem como “o recorte das personagens femininas”, que é “feito de uma forma muito cuidada”, a demonstrar “muito investimento e muito trabalho”.

A poeta explica que, ao ler a obra, que para o júri foi mostrada sob pseudónimo, se perguntava “será que foi uma mulher ou um homem que escreveu isto?”, mas “até ao fim” não conseguiu perceber. “As personagens fortes são as femininas, e ele consegue manter essa firmeza, esse recorte, essa violência, a violência exercida sobre as mulheres e das mulheres, entre elas. Está muito bem visto e escrito”, continua. Sem cair em sensacionalismo: “Não há barroquismo e sensação em excesso, o que com a temática de toda a violência da história seria muito possível.” Destaca, também, o facto de ser uma obra que mostra “um Brasil rural que já não está muito em moda no romance”.

Já Paulo Werneck, que durante a apresentação frisou a importância de o vencedor ser de fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, insere, em conversa com o PÚBLICO, o romance na “tradição do romance rural”, que inclui “livros clássicos, como Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar”, e “fala dos conflitos de terras, dessa coisa patriarcal”. “É um romance político, que tem uma notável factura artística”, resume.

O editor refere-se a Itamar Vieira Junior como “uma revelação da literatura brasileira”. Acha, assim, “saudável, interessante e vital para um prémio como o Leya não estar só no trabalho da consagração dos autores já reconhecidos, mas também mostrar um novo nome que tem um futuro certamente consistente na literatura brasileira”. “Até ao momento de abertura do envelope, a dúvida era se aquele seria ou não um autor já consagrado. Felizmente não era”, conclui.

A idade do escritor foi um factor surpreendente para os jurados com quem o PÚBLICO falou. “Só hoje soube que o autor tem 39 anos, o que me deixa profundamente satisfeita. Por ser jovem e pelo mundo literário que se pode abrir em relação a isto”, comenta Ana Paula Tavares. Paulo Werneck assinala que Itamar Vieira Junior “ainda é um jovem autor”: “Na literatura a maturidade não chega tão cedo, é raro ver um autor muito jovem que seja muito maduro. Nesse caso, ele parece que está na estrada há um tempo. Sabermos que era finalista do Jabuti só corroborou a nossa impressão de que estamos diante de alguém que sabe escrever e acho que agora começou uma carreira literária mais consistente.”

Itamar Vieira Junior que nasceu em Salvador, no estado da Bahia, em 1979, e é licenciado em Geografia e doutorado em Antropologia e Estudos Étnicos pela Universidade Federal da Bahia, não estava no anúncio do prémio. Mais tarde, explicou à agência Lusa que partiu da sua actividade enquanto antropólogo, mais especificamente do trabalho que desenvolveu dentro de uma comunidade do interior do Estado da Bahia, para escrever esta obra de ficção. Torto Arado “fala da luta pela terra, de questões sociais de um Brasil profundo, onde apesar de abolida há mais de 120 anos, ainda encontra trabalhadores que vivem em regime de servidão e escravidão”, declarou à Lusa. Mencionou também o simbolismo do prémio, já que, afirmou à agência de notícias, a população rural será “a mais atingida num eventual reinado de [Jair] Bolsonaro”, o candidato à presidência do Brasil. O seu país, reiterou, “vive um momento dramático na sua democracia”, um momento “em que há uma ascensão assustadora da extrema-direita e de toda uma agenda fascista que é contra negros, índios, contra a comunidade LGBT, contra as mulheres”.

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