Uma fotografia soberba, uma produção ambiciosa e uma batalha perdida

O que dizem as publicações e sites especializados sobre Cartas da Guerra, filme de Ivo Ferreira a partir de cartas que António Lobo Antunes enviou à sua primeira mulher quando estava na guerra colonial. Quase sempre a pensar em Tabu.

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Os maiores elogios vão para as imagens cuidadosamente coreografadas do director de fotografia João Ribeiro DR

Quatro anos depois de Tabu, de Miguel Gomes, volta a haver uma longa-metragem portuguesa na competição oficial do Festival de Berlim - Cartas da Guerra, de Ivo Ferreira. A avaliar pelo que sobre o segundo escreveram a imprensa e os sites especializados, a relação que se pode estabelecer entre os dois títulos não se fica por ambos terem no currículo a disputa pelo principal prémio da Berlinale.

Numa leitura rápida pelo que já se disse sobre este filme que parte das cartas que o escritor António Lobo Antunes - que no começo dos anos 1970 era um jovem médico ao serviço do exército português que combatia em Angola - enviou de África à sua primeira mulher saltam à vista os elogios ao director de fotografia, João Ribeiro, à ambição da produção (O Som e a Fúria de Sandro Aguilar e Luís Urbano, também responsável por Tabu) e à qualidade e intensidade da prosa do autor de Os Cus de Judas.

Aqui ficam alguns excertos do que já se escreveu sobre Cartas da Guerra, que teve gala oficial em Berlim no último domingo:

“A fotografia e preto e branco é soberbamente evocativa, as cartas de amor usadas em voz off são comoventes, mas ainda assim Cartas da Guerra luta por corresponder à riqueza emocional daquelas missivas com algo igualmente impressionante.”

“O problema entronca na forma como o guião acaba por competir com as cartas, o que é inevitavelmente uma batalha perdida, embora Ferreira e o seu co-argumentista Edgar Medina baseiem o seu cenário em António Lobo Antunes e outros em Angola, naquela altura. A influência de A Barreira Invisível assim como a de Tabu também se sente fortemente; isto não quer dizer que temas semelhantes não possam ser revisitados, [quer dizer] que a responsabilidade de inspirações tão significativas não pode ser assumida de ânimo leve.”

Jay Weissberg, Variety

“A linguagem lírica e a glamorosa fotografia a preto e branco do magnífico Cartas da Guerra  do realizador Ivo M. Ferreira evocam a sensação de se estar hipnotizado, e é melhor simplesmente sucumbir-lhe.”

“Um filme a preto e branco onde todos os pensamentos definidos são comunicados por uma leitora que quase não aparece poderia facilmente ser consignado à categoria sempre vaga de cinema de arte e ensaio. Mas, a partir do momento em que o método de comunicação é aceite, o filme mergulha elegantemente o público num mundo matizado que retrata uma guerra amplamente esquecida. Cartas da Guerra é um triunfo rico e assombroso.”

Oliver Johnston, no site de cinema The Upcoming

“Filmado num preto e branco nítido em Angola, este filme não pode evitar trazer à memória Tabu, do colega e compatriota de Ferreira, Miguel Gomes […]. Embora este seja em muitos aspectos um filme de arte e ensaio em moldes mais tradicionais que combina as cartas de Antunes, ouvidas em voz off, com imagens que recriam de forma bastante convincente e numa escala impressionante a vida de um médico do exército português em África.”

“[Miguel] Nunes, que se tornou famoso como actor de televisão, tem uma cara bonita mas nem sempre consegue acompanhar a intensidade da escrita do seu personagem, embora esta falha possa ser atribuída, pelo menos parcialmente, ao facto de não ter muitos diálogos directos a que possa recorrer para sugerir que houve nele uma transformação. Mais impressionante é a escala da produção, que parece bastante grande para um projecto de cinema de ensaio e que é captada pelo director de fotografia João Ribeiro em imagens sinuosamente coreografadas.”

Boyd van Hoeij, The Hollywood Reporter

“A extraordinária assinatura visual do filme, a sua riqueza como depoimento histórico, mais a sua poderosa carga emocional deveriam despertar o interesse tanto dos compradores de cinema de arte e ensaio como dos programadores de festivais, sobretudo tendo em conta o renovado interesse no cinema de autor português, tal como é representado por Miguel Gomes e Pedro Costa, entre outros.”

“O filme é um feito fenomenal do director de fotografia João Ribeiro, cujas imagens a preto e branco – do chiaroscuro das cenas nocturnas ao enfoque profundo, intensamente texturizado, das composições à luz do dia -, são um tour de force do princípio ao fim (exige-se uma nova edição das cartas de Lobo Antunes ilustradas com stills [do filme]).

Jonathan Romney, para o site de notícias de cinema Screen International

Texto corrigido às 15h40 para precisar que O Som e a Fúria tem também outro produtor, Luís Urbano

 

 

 

 

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