What would you know about relationships?

Sobre Tête-à-tête, de Natasha Tonkin.

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Tête-à-tête, de Natasha Tonkin DR

O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do 3.º Workshop Crítica de Cinema realizado durante o 26.º Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema. Este workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, no site do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.

Kerri, protagonista da animação Tête-à-tête (Natasha Tonkin, 2017), é uma rapariga viciada em redes sociais que está o tempo todo a publicar fotos e a escrever publicações. Antes de brindar, tira uma selfie em família; antes de comer, uma foto do prato. Alimentar-se, aliás, virou necessidade supérflua: Kerri nutre-se de likes e deixa a comida arrefecer enquanto monitoriza a repercussão de suas publicações online. Em visita à família, a jovem tem dificuldade em conectar-se ao “mundo real” e é constantemente repreendida pelos tios por não desviar o olhar do telemóvel. Curiosamente, seus tios também parecem mais interessados no que se passa na rede do que nas possíveis conversas à mesa. O universo ao redor, circunscrito entre as quatro paredes da sala de jantar, oferece muito pouco em comparação ao mundo virtual de infinitas possibilidades.

Por sua vez, Tom, personagem da curta-metragem Emily online (Geoffrey Perrier, 2017), é um jovem francês que envolve-se pela internet com a misteriosa Emily. Online, trocam declarações de amor, selfies, comunicam-se diversas vezes ao dia via Skype, acompanham-se diariamente através das redes sociais e dizem-se apaixonados apesar de nunca se terem visto pessoalmente. Os amigos de Tom encorajam-no a ir ter com ela, e ele está disposto a gastar suas economias para viajar ao Reino Unido e poder, finalmente, conhecê-la, mas a jovem mostra-se sempre avessa à ideia, como se guardasse um segredo obscuro.

Apesar de terem formatos, origens e contextos de produção diferentes, ambos os filmes criticam a nova geração de jovens viciados em redes sociais e alertam aos perigos de se substituir as relações reais pelas virtuais. A abordagem não é nova e o assunto menos ainda. De Her (Spike Jonze, 2013) a Pulse (Kiyoshi Kurosawa, 2011) inúmeros são os filmes (para não falar das séries televisivas) que retratam a pós-modernidade como uma era de relações superficiais, frágeis e fugazes. São tantos exemplos que se torna difícil trazer um novo olhar para a questão. É preciso ir além, aprofundar a crítica, algo difícil de se fazer com um filme de poucos minutos. Talvez seja hora de nos perguntarmos sobre o interesse em retratar um tema tão batido, ou de nos questionarmos sobre a pertinência desta crítica.

Estará a internet realmente nos afastando uns dos outros? Quem ainda acredita no engodo dos mil amigos no Facebook ou se deslumbra com o (i)número de likes na foto no Instagram? Estaremos de fato nos fechando em nós mesmos e construindo barreiras à socialização, como faz Kerri em Tête-à-tête? Corremos mais risco ao nos envolver virtualmente, como faz Tom em Emily online, do que correríamos em relações presenciais?

Ora, relacionar-se, virtual ou fisicamente, é colocar-se em risco, expor fragilidades, mostrar-se vulnerável. A pergunta dirigida a Kerri, what would you know about relationships?, serve-nos a todos. Afinal, o que qualquer um de nós sabe sobre relacionamentos? Relacionar-se é, sem dúvida, o maior desafio humano. É desconfortável, é desafiador, mas apesar de tudo, não conseguimos nos impedir de o fazer. O mundo virtual é apenas mais um dos inúmeros campos possíveis de se tecer relações e conectar-se aos outros.

Texto editado por Jorge Mourinha

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