Juan Quintero: O “fracassado” que conquistou glória eterna

Médio marcou o golo que deu vantagem ao River Plate, transformando-o instantaneamente em herói. "As pessoas do FC Porto tiveram pouca paciência com ele", revela Gonçalo Paciência.

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Quintero festeja o golo que deu vantagem ao River Plate na final da Libertadores Reuters/JUAN MEDINA

Em 107 anos de história, o pontapé de Juan Quintero, aos 109’, na final da Libertadores de domingo, frente aos eternos rivais do Boca Juniors, entrou directamente para os anais do emblema de Buenos Aires. O médio colombiano de 25 anos marcou o golo que encaminhou a cobiçada taça para a sala de troféus do River Plate e viu voltarem-se para si os holofotes internacionais, depois de vários anos sob críticas que o acusavam de ter perdido o interesse pelo futebol. 

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Lina Maria Paniagua, mãe de Quintero, foi a primeira a libertar a frustração acumulada, frente aos jornalistas, logo após o apito final no Santiago Bernabéu: “Esta semana conversámos quando eu ia fazer a viagem e pedi-lhe para que não me dissesse nada. Disse-lhe que me mostrasse quem é, para calar os que não acreditavam nele. Quis revelar isto à frente das câmaras para aqueles que disseram que o meu filho era um acabado e fracassado. O acabado e o fracassado acabou de dar a vitória ao River Plate e agora é campeão.

A infância ameaçada pelos cartéis

A exultação maternal é plenamente compreensível, dada a situação difícil que a progenitora teve de enfrentar nos primeiros anos de vida do novo herói dos “millonarios

Nascido na cidade de Medellín, em 1993, Quintero foi criado durante um período em que os cartéis controlavam as ruas e despedaçavam o país com a violência gratuita, sendo responsáveis por milhares de vítimas e desaparecidos. A tragédia nacional bateu à porta do jogador. Quando tinha dois anos, o pai, Jaime Enrique Quintero, desapareceu sem deixar rasto. A organização Vidas Silenciadas — que montou uma base de dados com os nomes das vítimas de violência política e do conflito armado interno — relata que “um grupo de pessoas armadas” raptou e executou o pai do jovem Juan em 1996.

O desaparecimento do progenitor empurrou o miúdo colombiano para dentro das quatro linhas. Fez toda a formação no Envigado, clube amador que também ajudou a lançar jovens talentos como James Rodríguez e Fredy Guarín. A estreia enquanto profissional chegou aos 19 anos, no Atlético Nacional de Medellín. Com apenas 15 jogos disputados — e dois golos marcados — o esquerdino chamou a atenção dos olheiros do Pescara em 2012.

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Quintero não conseguiu singrar no plantel dos "dragões" Renato Cruz Santos / Público

No primeiro ano em Itália, Quintero fez o papel que lhe estava incumbido, mas os dois golos em 22 partidas não foram suficientes para impedir a descida do Pescara para a II Divisão italiana. “Ele sentiu muitas dificuldades na adaptação à Itália, porque lá tinha de acompanhar as duas fases de jogo: ofensiva e defensiva”, confessaria o colega de equipa Lucas Chiaretti à ESPN, numa altura em que já se noticiava o interesse do FC Porto no jogador. Após a primeira temporada no Velho Continente, o foco estava virado para o Mundial onde as boas exibições na fase de grupos valeram comparações com Maradona e Messi. O golo mais bonito da competição saiu dos pés do colombiano que, semanas após o Mundial sub-20, assinava contrato com os “dragões”.

O “craque” que não vingou na Invicta

“Acho que as pessoas do FC Porto tiveram pouca paciência com ele”, confessa ao PÚBLICO Gonçalo Paciência, jogador do Eintracht Frankfurt e antigo companheiro de equipa do colombiano nos “dragões”. Segundo o avançado, Quintero era dos jogadores mais descontraídos do plantel portista, não deixando qualquer dúvida sobre o potencial que, na final da Libertadores, fez a diferença: “Sempre toda a gente acreditou que o Quintero era um craque. Tinha uma qualidade fora da média e um pé esquerdo maravilhoso.”

A nível pessoal, o internacional colombiano era dos mais simpáticos, razão pela qual o filho de Domingos Paciência — um histórico dos “dragões” — ainda mantém uma forte relação de amizade com o jogador do River Plate: “Ele era muito extrovertido, estava sempre pronto para a brincadeira. Às vezes até demais [risos]. Este golo pode dar-lhe mais projecção. Espero que tenha a oportunidade de jogar por um clube ainda maior.”

O desencontro com o futebol

Treinado por três diferentes técnicos na Invicta — Paulo Fonseca, Luís Castro e Julen Lopetegui —, entre 2013 e 2015, o esquerdino nunca se conseguiu afirmar no plantel “azul-e-branco”. Seguiram-se três empréstimos para o Rennes, de França, o Independiente de Medellín, da Colômbia e, em Janeiro de 2018, para o River Plate.

Os sucessivos empréstimos causaram mossa em Juan Quintero, que sentiu esfriar uma paixão que o acompanhava desde os primeiros passos. “Passaram coisas que me deixaram muito triste”, acabaria por confessar aos órgãos de comunicação colombianos, em 2017, aquando da segunda passagem pelo Independiente. As saídas à noite e as incursões pelo mundo da música foram o combustível que alimentou as críticas contra o empréstimo ao River Plate.

Essas críticas, porém, foram silenciadas de forma perene naquele remate que fez baloiçar as redes defendidas por Esteban Andrada. Seguramente, o golo terá o condão de reacender a paixão do colombiano pelo jogo que lhe corre nas veias e que, no futuro, o poderá trazer de volta à Europa.

FC Porto aguarda decisão de River Plate

No papel, Quintero ainda é “dragão”. Emprestado pelo FC Porto ao clube de Buenos Aires em Janeiro de 2018, o River Plate tem até 31 de Dezembro para decidir se accionará a opção de compra, cifrada em 3,25 milhões de euros. O presidente dos “millonarios”, Rodolfo D'Onofrio, já garantiu que o clube segurará Quintero mas, até agora, o negócio ainda não foi concluído. Fala-se, também, de uma potencial revenda do internacional colombiano a um clube com maior poderio financeiro. A cláusula de rescisão encontra-se, actualmente, fixada nos 25 milhões de euros.

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