Beneficiários da ADSE pedem “diálogo urgente” para evitar saída da CUF e Luz em Abril

José de Mello e Luz Saúde deixam de prestar cuidados ao abrigo das convenções com a ADSE a partir de meados de Abril. Decisão afecta mais de 430 mil pessoas, ou seja, um terço dos beneficiários.

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neg nelson garrido

O braço-de-ferro entre os grupos privados de saúde e a ADSE, que já se arrasta há vários meses, atingiu agora um novo patamar. A José de Mello Saúde, dona da rede de hospitais CUF, e a Luz Saúde anunciaram que a partir de meados de Abril deixarão de prestar serviços ao abrigo das convenções que têm com a ADSE. A decisão afecta à volta de 430 mil pessoas que recorrem aos hospitais destes grupos, o que representa mais de um terço dos beneficiários do sistema de assistência na doença da função pública.

Os desenvolvimentos recentes fizeram soar os alarmes do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE que se reuniu ontem, para analisar o risco de alguns prestadores abandonarem a ADSE. O órgão (que junta representantes dos beneficiários, dos sindicatos, dos aposentados e do Governo) aprovou por unanimidade uma resolução em que apela aos privados e ao conselho directivo da ADSE para que encetem um diálogo “urgente” que “permita encontrar soluções adequadas para a prestação de serviços de saúde de qualidade, a preços justos, sem discriminações e garantindo fiabilidade às diferentes entidades envolvidas”.

O conselho, liderado por João Proença, “vê com preocupação as práticas de alguns grandes grupos de prestadores de Saúde que livremente celebraram convenções com a ADSE”, critica a forma como têm decorrido as negociações ao longo dos últimos meses e alerta que “o reforço do controlo da despesa é um imperativo para a sustentabilidade da ADSE”.

O apelo ao diálogo poderá ter algum efeito junto dos privados. Do lado do grupo Mello há abertura para, nos próximos 15 dias, se procurarem “soluções equilibradas” e que “defendam os superiores interesses dos beneficiários da ADSE”. Este é o prazo dado pelo grupo, mas caso não seja possível chegar a uma solução, lê-se no comunicado interno a que o PÚBLICO teve acesso, “a suspensão agora anunciada evoluirá, a 1 de Março, para a denúncia definitiva da convenção”.

Já a Luz Saúde não clarifica se há disponibilidade para retomar o diálogo com a direcção da ADSE. No comunicado ontem enviado a todos os colaboradores, o grupo parece ser mais taxativo na decisão. “Apesar de todos os nossos esforços no sentido de o evitar, informamos que os hospitais e clínicas da rede Hospital da Luz se vêem obrigados, a partir de 15 de Abril, a deixar de prestar os serviços ao abrigo das convenções celebradas com a ADSE”, refere o comunicado.

Privados prometem condições especiais para 435 mil pessoas

A Luz Saúde pede aos colaboradores que informem os beneficiários da ADSE de que “as novas marcações para data posterior a 15 de Abril deixam de estar abrangidas pelo regime convencionado”. Serão afectados pela decisão “mais de 250 mil” beneficiários da ADSE que usam os hospitais do grupo.

A estes, apurou o PÚBLICO, juntam-se os 185 mil utentes que recorrem à rede hospital da CUF, num total de 435 mil pessoas.

Os dois grupos assumem que o corte não será radical. Nos hospitais da CUF, as marcações (novas ou já existentes) para actos a realizar até 12 de Abril continuam abrangidos pelas convenções. As marcações para tratamentos prolongados ou partos feitas até 11 de Fevereiro, mesmo que ocorram depois de 12 de Abril, também serão asseguradas.

Na Luz, mantêm-se ao abrigo das convenções os serviços iniciados antes de 15 de Abril relacionados com o acompanhamento a grávidas até à alta após o parto, com tratamentos oncológicos e com cuidados de saúde de internamento. Também se mantêm dentro do regime convencionado as marcações feitas pelos beneficiários da ADSE até agora, mesmo que se realizem depois de 15 de Abril.

Depois disso, o acesso à rede de hospitais da CUF e da Luz passará a ser feito em regime livre (em que o beneficiário adianta o valor da consulta ou dos cuidados prestados e depois pede o reembolso à ADSE). Mas os dois grupos querem assegurar que não perdem um universo de utentes que ultrapassa as 400 mil pessoas e garantem que irão criar “condições especiais de preços e de financiamento de cuidados” e uma “tabela de preços específica” para os beneficiários da ADSE.

O braço-de-ferro entre os grupos privados de saúde e a ADSE arrasta-se há já vários meses e voltou a ganhar força quando, em Dezembro, a direcção da ADSE notificou os hospitais e clínicas com os quais tem convenção da necessidade de devolverem 38 milhões de euros facturados a mais em 2015 e em 2016. Mais de 80% deste valor diz respeito aos grandes grupos, onde se incluem a Luz Saúde e a José de Mello Saúde.

Os privados contestam o valor e a manutenção da regra das regularizações por entenderem que ela torna instável a relação com a ADSE. Estas regularizações estão previstas desde 2014 mas nunca tinham sido aplicadas. Os privados também criticam o prazo médio de pagamento às unidades que, no caso da CUF, está nos 283 dias, assim como “a pretensão da ADSE em baixar os preços dos medicamentos e dispositivos médicos, através da imposição de uma margem de comercialização máxima aos prestadores”.

O tema está a gerar preocupação no Parlamento e junto do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa apelou a um entendimento entre as partes, mediante o risco de os 1,2 milhões de beneficiários virem a sobrecarregar o serviço nacional de saúde. Com Alexandra Campos 

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