Financiamento dos media: três pressupostos

Numa altura de crise profunda e estrutural, é de inovação e de revolução que se trata. Não vale a pena ligar o passado à máquina.

O Presidente da República tem vindo, desde há bastante tempo, a chamar a atenção para a situação gravíssima em que se encontra o jornalismo em Portugal e para a necessidade de encontrar mecanismos que assegurem a sua sustentabilidade. A preocupação é certeira, a intenção é generosa, a liderança é necessária e é muito bem-vinda. Mas a discussão ganha em ser minimamente enquadrada para não se esgotar em proclamações pias. Pelo meu lado arrisco fazê-lo em torno de três ideias essenciais.

1. Mais do que salvar o jornalismo, vale a pena não poupar quaisquer esforços para salvar os grandes valores do jornalismo. A diferença não é semântica. Uma sociedade que preze uma democracia substantiva não pode prescindir de ter mecanismos e instituições que possam servir como escrutinadores independentes, profissionais e sobretudo livres dos mais diversos poderes. Dos políticos aos económicos. Uma sociedade assente em valores liberais clássicos não pode prescindir de mecanismos e instituições que, através de um debate livre e racional de ideias em confronto, permitam uma sempre imperfeita aproximação à “verdade”.

O jornalismo, tal como o conhecemos, é a instituição que melhor e mais eficazmente tem cumprido estas funções. Provavelmente, desejavelmente, assim continuará a ser. Mas convém, numa altura de crise profunda e estrutural, alargar os termos do debate e não excluir quaisquer soluções ou atores que contribuam para preservar o essencial. E o essencial são os valores, não são o instrumento que, em cada momento histórico, os corporiza.

2. Não há financiamento sem criação de relações de dependência perversas. Sempre foi assim, sempre será assim. Quem quer que tenha tido responsabilidades no setor dos media saberá exatamente do que falo. Mas se o problema não é contornável em absoluto, é evidente que pode e deve ser amplamente minorado.

Desde logo excluindo do leque dos financiadores, na medida do possível, aqueles em relação aos quais o estabelecimento de relações de dependência se afigure mais perverso. O Estado, parece-me cristalino, encabeça essa lista. Não haverá jornalismo independente, não haverá jornalismo livre, não haverá jornalismo capaz de escrutinar o poder político se o próprio poder político se transformar no decisor maior sobre o seu financiamento.

Depois, e porque nem fundações, nem associações, nem empresas, nem cidadãos estão imunes à eterna tentação do controlo, afigura-se fundamental que quaisquer mecanismos de financiamento se façam acompanhar de estruturas de governação sólidas que limitem a capacidade real de o exercer.

Finalmente, vale a pena, também aqui, recorrer à velha receita liberal da separação de poderes. Quanto mais diversas forem as fontes de financiamento, menor será a capacidade de cada financiador exercer um poder excessivo e perverso que possa pôr em perigo aquilo que em primeiro lugar se quis preservar: a independência com que se investiga, informa e escrutina.

3. Não vale a pena mudar para que tudo fique a mesma. O problema do jornalismo é também (provavelmente é sobretudo) um problema de modelo de negócio. Sem o resolver dificilmente se garantirá a sustentabilidade a longo prazo do jornalismo e das funções que desempenha. Ora, se me parece pacífico afirmar que ninguém tem, nesta matéria, receitas mágicas (eu humildemente confesso que não as tenho), também me parece evidente que não vale a pena investir no status quo. Não é preciso ser um schumpeteriano furioso para perceber que a mudança que se reclama não é incremental. É de inovação e de revolução que se trata. Não vale a pena ligar o passado à máquina.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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