Governo fez leilão da garantia de potência sem aval de Bruxelas

O Governo vai adiar o leilão da garantia de potência de 2018, porque Bruxelas ainda não deu OK a este mecanismo que remunera a disponibilidade das centrais eléctricas. No entanto, mesmo sem o aval da Comissão, os contratos do leilão de 2017 já foram assinados.

Foto
Rita Franca

A Comissão Europeia está a avaliar o novo modelo de atribuição de pagamentos às centrais eléctricas pela disponibilidade imediata para produzir em caso de falha de aprovisionamento. Antes, a remuneração deste serviço conhecido como garantia de potência era fixada administrativamente, mas este ano passou a ser determinada em leilão, o que permitiu baixar os pagamentos às empresas. No entanto, o mecanismo suscita algumas reservas a Bruxelas, que ainda não lhe deu o OK final.

Essa é a justificação com a qual o Bloco de Esquerda e o Governo decidiram, no âmbito da negociação do Orçamento do Estado (OE), adiar a realização de um segundo leilão previsto para este ano, para a chamada reserva de segurança, ou garantia de potência, do sistema eléctrico nacional (SEN) em 2018.

O leilão fica adiado até haver “a pronúncia inequívoca da Comissão Europeia relativamente à compatibilidade do mecanismo de reserva de segurança do SEN com as disposições comunitárias relativas a auxílios de Estado no sector da energia”, lê-se na proposta de alteração ao OE 2018 que foi ontem anunciada pelo Bloco.

A questão é que o Governo, que agora, na solução consensualizada com o Bloco de Esquerda, reconhece não ter a “pronúncia inequívoca” de Bruxelas, já tinha autorizado a realização de um primeiro leilão em Março. E os contratos entre a REN (que é a gestora do sistema eléctrico nacional) e as empresas foram assinados nas últimas semanas. Isso mesmo foi confirmado ao PÚBLICO pelo presidente da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, e por fonte oficial da EDP.

É que as três centrais que venceram o leilão foram as mesmas que já antes prestavam o serviço: o ciclo combinado de Lares e a Termoeléctrica do Ribatejo (da EDP) e o ciclo combinado do Pego (da Endesa e da Trustenergy), que este ano irão receber cerca de sete milhões de euros (abaixo dos 16 milhões fixados para 2016, pois, com o leilão, que tinha um tecto máximo de 4800 euros, o preço a pagar nas tarifas por megawatt desceu dos seis mil euros para 4755 euros).

“A Comissão está em contacto com as autoridades portuguesas quanto aos seus planos de introduzir medidas de apoio à capacidade de produção de eléctrica”, confirmou o porta-voz da Comissão, quando questionado pelo PÚBLICO depois de o secretário de Estado da Energia ter admitido no Parlamento, esta semana, que o leilão de 2018 foi suspenso porque Bruxelas tem “dúvidas sobre o seu funcionamento efectivo no futuro”.

Porém, enquanto a Comissão diz que Portugal “tem planos” para introduzir uma nova medida, o Governo já a introduziu de facto. O PÚBLICO questionou o secretário de Estado sobre as implicações de os contratos terem sido assinados antes da aprovação formal (Bruxelas tem de dar aval sempre que se considere que podem estar em causa auxílios de Estado), mas não foi possível obter resposta, nem perceber porque foram assinados agora. Jorge Seguro Sanches garantiu, no entanto, que as dúvidas levantadas “não têm a ver com a nova medida” e que se inserem “num processo de verificação global e normal feito em vários países da UE pela Comissão Europeia”.

Segundo informação recolhida pelo PÚBLICO, as reticências não se devem ao modelo de leilão, tendo em conta que na análise que fez, em 2016, aos mecanismos de capacidade em vários Estados-membros, a Comissão destacava que o modelo português era dos “menos apropriados”, porque criava “um risco de sobrecompensação”. Por isso defendia que os preços da disponibilidade fossem definidos em processos concorrenciais.

As preocupações de Bruxelas, como confirmou Nuno Ribeiro da Silva, dizem essencialmente respeito à possibilidade de participação nos leilões de empresas de outros países. A portaria que definiu as regras estabelece que podem participar produtores “nacionais ou de outros Estados -Membros na medida em que tal seja viável através das interligações internacionais e estejam implementados mecanismos comuns de verificação da disponibilidade”. No caso de centrais localizadas em outros Estados-membros, “acrescem” condições como “uma validação da capacidade de interligação que permita tornar viável a utilização da potência adjudicada”.

São disposições que visam evitar que a retaguarda do sistema eléctrico em Portugal - em caso de falhas das renováveis - fique dependente das interligações eléctricas, mas que à luz das disposições do mercado interno da energia podem ser vistas como passíveis de distorcer a concorrência.

Tendo em conta o défice de interligações da Península Ibérica com França, e assumindo que situações climáticas que afectem Portugal podem ter o mesmo tipo de impacto em Espanha, Nuno Ribeiro da Silva diz que as dúvidas de Bruxelas “são questões barrocas”. O gestor diz-se preocupado com a indefinição face a 2018, “porque as empresas têm de saber com que contar”. E lembra que ao longo deste ano, as centrais estiveram “com os equipamentos prontos e o gás contratado mesmo sem receberem nada por isso”. 

O facto de desde Janeiro não haver um mecanismo formal de capacidade (porque os antigos incentivos foram suspensos a 1 de Janeiro e os novos contratos assinados há dias) não significa que o sistema eléctrico tenha estado sem backup desde então. “A segurança do abastecimento não esteve em causa. No entanto, as centrais estiveram a prestar um serviço que contribui para essa segurança e que não esteve a ser remunerado”, frisou fonte oficial da EDP.

Sugerir correcção
Comentar