Mutualistas da Associação Montepio levantam mais de mil milhões em 2017

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho, vai hoje ao Parlamento explicar aos deputados a racionalidade do investimento que admite realizar na Caixa Económica Montepio Geral

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Programa de acção e de orçamento para 2018 foi apresentado pela gestão de Tomás Correia na última assembleia geral Miguel Manso

A Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) estima que os encargos com os seus associados, designadamente, resgates antecipados e a não renovação da aplicações (poupanças), tenham ascendido a quase 1100 milhões de euros em 2017, quando as entregas com origem nos mutualistas se terão ficado apenas pelos 750 milhões de euros. Uma situação que gera pressão sobre as contas da instituição quase bicentenária e que coincide com a discussão em torno do futuro do seu principal activo, a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), que esta quarta-feira será tema de debate na Assembleia da República. 

Nos últimos três anos, a título de benefícios vencidos e de reembolsos, saíram da AMMG mais de 2,7 mil milhões de euros, tendo o saldo entre as entradas (a renovação das aplicações, bem como as novas) e os “levantamentos” naquele período sido negativo em mais de mil milhões de euros, como confirmou ao PUBLICO a instituição.

“Entre 2015 e 2017 o fluxo líquido de capitais foi de -1 mil milhões, com entradas de 1,7 mil milhões e saídas de 2,7 mil milhões”, afirmou fonte oficial. Em resposta por email, relatou ainda que “as saídas programadas representam 28,7% do total e as saídas antecipadas representaram 71,3%” no período em análise.

No entanto, salvaguarda que “o segundo semestre de 2017 inverteu a tendência dos últimos três anos” e “iniciou uma recuperação de 74,6 milhões de euros líquidos, com uma entrada de 438 milhões e saída de 369 milhões”.  “O desempenho das modalidades actuariais foi o mais positivo dos últimos 3 anos, com 10,2 milhões no segundo semestre”, acrescenta.

As estimativas para 2017 constam do programa de acção e de orçamento para 2018, apresentado pela gestão de António Tomás Correia aos associados na última assembleia-geral de 27 de Dezembro. No ano passado, as entregas com origem nos associados aumentaram 53%, para 750 milhões. Em contrapartida, os encargos com os mutualistas dispararam 80%, para 1,1 mil milhões de euros. Contas feitas, segundo este documento, o saldo entre as saídas e as entradas, em 2017, foi negativo de 350 milhões de euros.

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Apesar da tendência, é o optimismo que prevalece na análise das expectativas para este ano, com a gestão de Tomás Correia a admitir uma inversão do ciclo, que fundamenta “na recuperação iniciada no segundo semestre de 2017, pelo que extrapolam o bom desempenho observado no segundo semestre de 2017”.

De acordo com o plano para este ano, as receitas com os associados devem disparar em 2018, para 1077 milhões de euros e os encargos regredir para 655,5 milhões de euros. Em síntese, a expectativa de Tomás Correia é que o saldo, este ano, termine positivo.

É este optimismo que está também presente quando a referência é à evolução do universo dos mutualistas. Depois do presidente da AMMG ter avançado, no início de 2016, que chegaria a Dezembro de 2017 com 660 mil associados, em Outubro último o número não excedia os 623.675 mutualistas, ficando mesmo aquém do patamar de partida (632 mil). E em 2018 a previsão é de novo favorável, pois o objectivo traçado pela gestão é atingir os 659.331 mutualistas.

O programa que a AMMG levou à assembleia-geral refere que os 623.675 associados no final de 2017 mantenham aplicações de 3,1 mil milhões de euros, o que é uma regressão de 250 milhões face ao valor com que iniciaram o ano. Destas responsabilidades com mutualistas, quase 83% resulta da venda de produtos de capitalização, que começaram a ser comercializados em 2012. E só depois da assembleia-geral histórica de 8 de Setembro de 2011 ter introduzido alterações no regulamento de benefícios da AMMG, que até aí impediam a venda de activos de capitalização pura.   

Em causa estão aplicações em dois produtos: um designado Capitais de Reforma (1,2 mil milhões), com características de um depósito à ordem; e o outro, Capital Certo (1,43 mil milhões) que concorre com os depósitos a prazo a cinco anos. Apenas 17,3% (550 milhões de euros) dos 3,1 mil milhões correspondem a produtos de protecção, onde prevalece o espírito mutualista (que protegem os subscritores face a imprevistos).  

Hoje, as autoridades (governo e Banco de Portugal) estão centradas na reestruturação do principal activo da Associação: o banco Montepio, cuja actividade aparentemente se normalizou.

A CEMG opera actualmente com um rácio de capital acima de 11%, superior ao mínimo recomendado pelo Banco de Portugal. Desde 2010 foram injectados no banco à volta de 1680 milhões de euros, dos quais 720 milhões desde 2014.

Com a mudança dos estatutos do banco Montepio para sociedade anónima, para acomodar a entrada de outras entidades da economia social, como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, há quem discuta a racionalidade económica em expor esta instituição ao risco bancário.

Recorde-se que o provedor Edmundo Martinho já confirmou que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pode investir entre 150 milhões e, no máximo, 200 milhões no banco Montepio. Mas nunca excedendo os 10% do capital. O fecho dos valores está a aguardar pelas avaliações finais encomendadas a bancos de investimento.

Mas há um cálculo simples: se a Santa Casa investir 200 milhões, ficará com 10%. É que a CEMG está contabilizada nas contas da AMMG por 2.090 milhões de euros, o que dá uma avaliação acima do valor de mercado do BPI (de dimensão superior) que ontem estava em 1,94 mil milhões.

É sobre estas matérias que, tudo indica, Edmundo Martinho irá esta manhã ser confrontado pelos deputados. E já depois do seu antecessor no cargo, Pedro Santana Lopes, que hoje disputa a liderança do PSD, o principal partido da oposição, ter vindo a público clarificar que não autorizou o investimento da SCML no Montepio.

Uma solução que é apadrinhada pelo Ministro da Segurança Social, que tem a tutela quer da AMMG, quer da SCML. Medida que ontem, no contexto do debate na AR, mereceu o comentário do primeiro-ministro António Costa: “Eu não sei de quem foi a ideia, mas tenho pena de que não tenha sido minha, porque é boa.” 

A reestruturação do capital do banco Montepio, com a entrada das misericórdias, é uma opção do Governo. Mas o Banco de Portugal acompanha-a, já que a entrada de novos protagonistas facilita mudanças ao nível do topo da gestão da instituição. A AMMG já indicou o novo presidente, Nuno Mota Pinto (irmão de Alexandre Mota Pinto, advogado de Tomás Correia).

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