Portugueses ainda não recuperaram do “enorme aumento” do IRS de Gaspar

Ao “enorme aumento” dos impostos do tempo de Passos, o Governo de Costa contrapõe uma “enorme alteração” no IRS. Mas em 2019 a generalidade dos contribuintes ainda pagará mais do que antes da troika.

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3 de Outubro de 2012 – o dia do anúncio do “enorme aumento” dos impostos para 2013 Miguel Manso

A sobretaxa de IRS já acabou, os escalões passaram de cinco a sete, as taxas foram revistas, o rendimento isento subiu, as deduções foram reformuladas e o quociente familiar deu lugar a uma dedução fixa. Mas, feitas as contas, a generalidade dos portugueses ainda vai pagar mais IRS em 2019 do que pagava antes da chegada da troika.

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José Alves

A conclusão é da consultora PwC, que comparou para o PÚBLICO a situação do IRS do próximo ano (o último do mandato do Governo de António Costa) com o que se passava em 2010 (antes da sucessão de medidas de austeridade que tiveram expressão no “enorme aumento” dos impostos protagonizado em 2013 por Vítor Gaspar).

À luz das simulações, há uma conclusão geral, diz a fiscalista da PwC Ana Duarte: “Não será ainda em 2019 que as famílias portuguesas [na sua maioria] irão recuperar o salário líquido que auferiam em 2010, apesar da extinção da sobretaxa do IRS, da reestruturação dos escalões e taxas de IRS, ocorrida em 2018”. A análise só tem em conta o IRS e não contabiliza o efeito de outras medidas que, fora do imposto directo, têm um impacto positivo no bolso das famílias.

Cada caso é um caso e haverá contribuintes que vão pagar menos em 2019 face a 2010, mas a maioria das situações simuladas pela PwC mostra o contrário.

Veja-se o exemplo de um casal com dois filhos, em que cada contribuinte recebe ao fim do mês 1500 euros de salário bruto (42 mil euros anuais, em conjunto). Comparando 2019 com 2010 continua a haver uma perda de rendimento: menos 428 euros. Se em 2010 pagava 4767 euros de IRS, no próximo ano pagará 5196 euros. Isso significa que se em 2010 tinha um rendimento líquido acima dos 37 mil euros, agora ainda não atingirá esse patamar.

A mesma situação calculada para um casal que ganhe 800 euros já mostra um resultado diferente: há um ganho de 74 euros em relação a nove anos antes, porque os contribuintes ficam a pagar este montante a menos no IRS quando se faz a comparação do antes e depois. É o único caso entre os 12 analisados pela PwC onde se verifica um ganho. A consultora analisou salários de 800, 1500 e 2500 euros mensais em casais com dois filhos, casais com um filho e contribuintes solteiros sem filhos. E nos casos simulados não se encontram mais situações de ganho líquido no IRS entre 2010 e 2019. Mesmo numa família com um filho e em que os dois membros do casal recebem um salário idêntico àquele caso (800 euros cada) há uma carga fiscal maior do que nove anos antes.

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Os cálculos tiveram em conta despesas de saúde de 2000 euros por casal e a dedução de 350 euros de juros de empréstimo da casa (no caso dos contribuintes solteiros sem filhos, a consultora considerou mil de saúde e os mesmos 350 euros de deduções de juros dos empréstimos).

Outra situação: um contribuinte solteiro que ganhe 11.200 euros por ano (800 euros brutos por mês), paga aproximadamente mais 185 euros de IRS em 2019 do que pagava em 2010 com o mesmo nível salarial. A diferença, diz a PwC, “acentua-se para 399 euros quando consideramos no cálculo do IRS deduções à colecta no valor de 1000 euros a título de despesas de saúde e 350 euros de juros de empréstimo à habitação. Um casal com um dependente, em que cada um dos titulares aufira 2500 euros mensais, vai pagar cerca de 900 euros mais de IRS do que acontecia em 2010.

“Enorme alteração”

Nesse ano, antes do agravamento do IRS, havia oito escalões. Depois, houve cortes nas deduções à colecta em determinadas despesas de saúde, educação, encargos com imóveis. E a medida que maior impacto teve no tempo de Vítor Gaspar: o agravamento do IRS com a passagem de oito escalões para cinco, mais a sobretaxa de IRS que se prolongou para o Governo de Costa, só deixando de existir para todos este ano. Foram várias as medidas, desde a redução progressiva e fim da sobretaxa, a mexidas nas deduções à colecta do IRS, passando pelo regresso do chamado “quociente conjugal” como forma de calcular a taxa do IRS, e pelo aumento e alargamento aos recibos verdes do mínimo de existência (a regra que permite aos contribuintes que ganham menos ficarem isentos de IRS total ou parcialmente).

Os escalões e as taxas de 2019 são iguais às deste ano. E a redução feita em 2018 terá ainda impacto no próximo, desde logo porque as tabelas de retenção do imposto (o desconto mensal do IRS no salário) não estão a reflectir toda a redução do imposto e isso faz transitar a devolução para o momento do acerto do IRS quando se entregarem as declarações de 2018.

No mesmo Salão Nobre do Ministério das Finanças onde Gaspar anunciara ao país o “enorme aumento” dos impostos para 2013 apareceu ontem Mário Centeno para reivindicar as várias medidas de reposição de rendimentos tomadas ao longo da legislatura. Ao seu lado, o secretário dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, mimetizou a célebre frase de Gaspar, mas para falar de uma “enorme alteração aos escalões de IRS” feita em 2018. E afirmou: “Há um facto: e o facto é que em 2019 as famílias portuguesas vão pagar menos mil milhões de euros em IRS”. Aqui, o ponto de partida da comparação é o ano de 2015, aquele em que o actual executivo de Costa assumiu funções em Novembro.

O PÚBLICO procurou obter mais explicações do Ministério das Finanças para o facto de o relatório do Orçamento do Estado afirmar que as várias medidas no IRS “totalizaram uma devolução de rendimentos na ordem dos 2225 milhões de euros ao longo da legislatura, cerca de mil milhões dos quais no ano de 2018”, mas não obteve resposta em tempo útil sobre como é que os valores se conciliam a comparação dos mil milhões entre 2015 e 2019.

Centeno conta que os cofres do Estado arrecadem 12.905 milhões em receitas de IRS no próximo ano. Há um aumento de 0,9% em relação ao encaixe esperado em 2018, por causa do aumento do emprego, do salário médio nos últimos anos e também, diz o Governo no relatório do OE, pelo efeito da reposição de rendimentos.

O executivo prevê que em 2019 haja uma redução ligeira da carga fiscal na economia portuguesa (calculado para o peso dos vários impostos e não apenas o IRS), depois de este indicador atingir este ano um novo valor máximo.

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