Reforço de capital do Montepio provoca críticas internas

Membro do Conselho Geral critica gestão do banco por ter prestado informações, com uma antecedência de apenas três dias, sobre a exigência do Banco de Portugal para um aumento de capital de 250 milhões de euros, anunciado na última sexta-feira. E deixou alertas para o futuro.

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Félix Morgado na mira das críticas de Almeida Serra Enric Vives-Rubio

A falta de informação prestada pela gestão da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) sobre temas relevantes, os receios de que haja uma venda de activos ao desbarato e as pressões exteriores, em particular as do Banco de Portugal no sentido de autonomizar o banco da associação, “são estranhas”, podem desvalorizar a instituição em benefício de interesses particulares e podem abrir a porta a aproveitamentos de grupos organizados. Os alertas foram feitos por José Almeida Serra, administrador do Montepio entre 2004 e 2015, e membro do Conselho Geral (CG) da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), e que há duas semanas veio responsabilizar o supervisor pelo que venha a acontecer a um grupo com 170 anos. 

A 27 de Junho, três dias antes de a AMMG comunicar que tinha aumentado em 250 milhões de euros o capital do seu banco, o Conselho Geral da mutualista foi surpreendido por um pedido de José Félix Morgado: a CEMG necessitava de uma injecção de fundos imediata naquele valor. Isto, para cumprir os requisitos de capital fixados pelo BdP a 16 de Dezembro de 2016.

Mas a indicação de que a instituição financeira estava curta de capital, numa dimensão inesperada, tinha chegado aos conselheiros da AMMG a 20 de Junho. Nessa reunião participou o CFO do banco, João Neves, que apresentou um documento a referir necessidades de capital até 300 milhões. O encontro foi interrompido e retomado no dia 27, agora com a participação de Félix Morgado que então assinalou que a verba em falta era de 250 milhões.

Mas é a intervenção do conselheiro da AMMG, José Almeida Serra, a 20 de Junho, que vai acentuar a contestação à equipa de Félix Morgado por, segundo alega, lhes ter omitido durante seis meses a situação de grande fragilidade da CEMG, agora minimizada [com a injecção de fundos].

Já passava das 18 horas de 20 de Junho quando este conselheiro, ex-ministro de um governo chefiado por Mário Soares e ex-director geral da Comissão Europeia, pediu a palavra para fazer a análise do que entendia estar a passar-se em torno do banco. Solicitando, assim que começou a falar, que o seu testemunho constasse da acta, “porventura em anexo”. Ou seja: Almeida Serra queria marcar a sua posição por escrito. Um documento que seria remetido a 26 de Junho a várias entidades e a que o PÚBLICO teve acesso.

Entre outros pontos, o economista debruça-se sobre o documento levado por João Neves, a 20 de Junho, em que é pedido o reforço de capital do banco. E que, segundo nota, não foi mais uma vez distribuído “previamente”, uma omissão de informação relevante que impediu uma reflexão aprofundada sobre uma matéria sensível. Lamenta, por isso, que a CEMG tenha por hábito enviar os documentos complexos  “muito tardiamente” ou “simplesmente” apresentando-os “durante a reunião”.

O mesmo conselheiro evidencia ainda que o conteúdo dos esclarecimentos enviados pela equipa de Félix Morgado chega ao CG geralmente acompanhados de uma “terminologia”, cheia de “tecnicidades e anglicismos” desnecessários que, “em determinados meios”, visam conduzir à “obtenção de um objectivo oculto: o de tornar incompreensível o documento, a exposição e os objectivos”.

Por isso, adianta “que se tivesse de tomar hoje [dia 20 de Junho] e agora uma decisão sobre o capital [reforço] da CEMG estaria na impossibilidade de o fazer, por não ter compreendido muito do que foi exposto” por João Neves (temas que Félix Morgado detalhou três dias antes da operação). 

Uma das iniciativas controversas foi o facto de o CG só ter sabido nessa altura [20 de Junho] que, a 16 de Dezembro de 2016, nas instalações do BdP, o supervisor recomendou a Félix Morgado que a CEMG (que classificou de risco elevado) teria em 2017 de subir o rácio de capital para 11% (que a 31 de Dezembro era de 10,9%), ao qual teria de adicionar mais 1,25% ( 12,25%). A 12 de Janeiro deste ano, o supervisor volta a chamar a gestão para debater o mesmo tema.

Banco de Portugal na mira

Almeida Serra não deixou pedra sobre pedra. Nem poupa o BdP que responsabiliza pelo que possa acontecer ao grupo Montepio, defendendo que a imposição de separação do banco da associação é um erro que o levou já a manifestar o seu desacordo. E acusa o supervisor de uma estratégia do facto consumado, sem admitir debate: “ou é feito isto e aquilo [que o BdP diz] ou decidimos nós [o BdP].”

O ex-director-geral da Comissão Europeia entende que “o posicionamento” do BdP sobre o futuro do grupo Montepio “não decorre de imposições europeias ou internas de outros centros de poder e políticos”, mas emana do próprio supervisor. E estabelece comparações com o que se tem passado mais recentemente na zona euro, em que há responsáveis que preferem os factos consumados, exemplificando com a venda do Banco Popular ao Santander por um euro, depois de terem sido apuradas situações de “inside trading” [fuga de informações].

Mencionando a passagem da CEMG a sociedade anónima [já aprovada], medida que vai permitir a abertura do capital a terceiros, o mesmo conselheiro concede que apoiou a  solução, mas com reservas pelos “riscos de movimentações visando interesses particulares”. E de que há já sinais evidentes, alerta.

Em linha com as críticas à falta de informação prestada pela gestão da CEMG, Almeida Serra revela que o CG da AMMG desconhece formalmente o teor dos contactos para encontrar parceiros para o banco, apesar das notícias dando conta da existência de interessados nacionais e estrangeiros, “que não a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”.

Esta sexta-feira, a instituição chefiada por Pedro Santana Lopes assinou um memorando de entendimento com a AMMG, com vista a uma entrada no capital do banco.

Três dias antes, na AR a administradora do BdP, Elisa Ferreira, prestara  depoimentos: “Há diversos investidores potenciais que já revelaram interesse em participar no capital do Montepio.” E até reforçou: “Posso garantir que, potencialmente fomos [BdP] contactados por mais [investidores, além da SCML].”

“Movimentações” que Almeida Serra veio garantir não serem do conhecimento “da Assembleia Geral ou do CG da AMMG”, e daí retirou ilações: “É obrigatório concluir tratar-se de informação falseada, deliberadamente ou não” ou de “tentativas deliberadas de lançar confusão e criar ambientes propícios a determinados desfechos”.

No mesmo tom assertivo observa que “são conhecidas posições que agentes do supervisor [BdP] têm vindo a colocar, designadamente, pressionando a rápida venda de imobiliário” e relembra “a célebre operação Orion [venda de activos da CEMG] cujos contornos nunca conheceu em termos satisfatórios”, e que “foi feita no âmbito de pressões enormes recebidas do exterior” - em que o Montepio registou quase 40% de perdas.

E, por isso, o economista pede a Félix Morgado mais cuidado a conduzir a alienação das carteiras de crédito problemático [o Montepio prepara uma operação de securitização de mil milhões], “pois sabemos que tipo de gente e de mundo anda ligado a esses negócios” que atraem “muitos interesses e interessados”: “Fazem-se fortunas e tecem-se alianças com muitos parceiros” e com “indivíduos que em algum momento intervieram ou são susceptíveis de um dia poderem vir a intervir nos circuitos, tanto legislativos como de decisão.”

A terminar a sua exposição, Almeida Serra pede aos órgãos sociais do Montepio que se certifiquem que, no processo de mudanças em curso na CEMG, não vão aparecer “grupos organizados que consigam chegar a uma situação semelhante à que acaba de ocorrer em Espanha [que culminou na venda por um euro do Banco Popular ao Santander] ou que, havendo, teremos a capacidade de os neutralizar eficiente e oportunamente.” Na sua declaração, Almeida Serra foi secundado pela maioria dos conselheiros presentes na reunião de 20 de Junho. 

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