Cidadãos justificam providência cautelar com “ilegalidades” na venda da Confiança

Além de defenderem a manutenção da antiga fábrica na esfera municipal, os seis cidadãos responsáveis pela acção judicial afirmaram que o processo de venda desencadeado pela Câmara desrespeita a Lei dos Solos e o PDM do município. Ministério da Cultura também está atento à situação.

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Nelson Garrido

Os seis cidadãos que interpuseram, em nome da plataforma cívica Salvar a Fábrica Confiança, uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAFB) e a viram ser aceite nesta terça-feira acreditam que o processo de venda do edifício que acolheu a saboaria e perfumaria Confiança, entre 1921 e 2005, pode ser revertido, por considerarem que há ilegalidades pelo meio.

Já activo no período anterior à alienação da antiga fábrica, aprovada pela Câmara, na reunião de 19 de Setembro, e confirmada pela Assembleia Municipal, em 04 de Outubro, o movimento conseguiu, com a aceitação da providência cautelar pelo TAFB, suspender a hasta pública, cuja realização estava agendada para 20 de Novembro, com um preço base de 3,8 milhões de euros.

Além de estar convencido que a venda vai desvirtuar o fim cultural para o qual o edifício foi adquirido pela Câmara, em 2012, por 3,5 milhões de euros, Manuel Miranda, um dos seis cidadãos que interpôs a providência, realçou que o processo de alienação, tal como foi posto em marcha pela autarquia presidida por Ricardo Rio, viola, desde logo, a Lei de Bases dos Solos e do Ordenamento do Território, aprovada em 2014. O cidadão argumentou, numa conferência de imprensa decorrida nesta quarta-feira, que “os bens que constituem espaços públicos, equipamentos e infra-estruturas só em condições excepcionais devem ser privados” – o edifício da Confiança está classificado no PDM do município como equipamento. O urbanista frisou, por isso, que a Câmara deveria ter aprovado um projecto urbanístico para o imóvel antes de avançar para a venda e ainda ter fundamentado a vantagem de passar a Confiança da esfera pública para a esfera privada.

A violação do PDM foi outra das causas que motivou a ida para tribunal, revelou Manuel Miranda. O docente da Universidade do Minho alegou o caderno de encargos a cumprir por um eventual proprietário, além de impor a “preservação de três fachadas e da memória da chaminé”, admite a oferta de alojamento para turistas e para estudantes, desrespeitando, a seu ver, o que está previsto no documento. “Alojamento é habitação. O PDM de Braga, que é extremamente liberal nos equipamentos, não admite habitação nos equipamentos”, disse.

Ainda crítico da imposição de regras urbanísticas pelo caderno de encargos – considera que, segundo a Lei de Bases dos Solos, só podem ser ditadas pelos “planos municipais de ordenamento do território” -, Manuel Miranda realçou ainda que o documento da Câmara vai contra todas as convenções internacionais para o património e contra um parecer negativo de 2004, do então IPPAR (hoje DGPC), sobre um projecto de então, que contemplava a alteração de todo o edifício, salvo as fachadas.

Outra das pessoas que interpôs a providência cautelar, Maria Manuel Oliveira, realçou que a venda do edifício é um erro e que a preservação da fábrica, quer por ser o último testemunho da industrialização de Braga no início do século XX, quer por ter oferecido a milhares de trabalhadores valências como a sala de cinema e a creche, tem um interesse que ultrapassa os limites do município. Além disso, frisou, o edifício está implantado em São Vítor, freguesia sem qualquer equipamento cultural, apesar de ser a mais populosa do concelho (30.000 pessoas).

A cidadã realçou ainda que a providência cautelar, um documento de 350 páginas que, no seu entender, tem “fundamento jurídico” para ter provimento, tornou-se inevitável, depois da Câmara Municipal ter recusado o pedido da plataforma Salvar a Fábrica Confiança – inclui 18 associações do concelho – para suspender o processo de venda por seis meses e iniciar um período de reflexão sobre o uso a dar ao edifício, sem recorrer à alienação.

A autarquia liderada por Ricardo Rio salientou, porém, num comunicado emitido na terça-feira, que “vai concretizar a alienação logo que tal lhe seja possível” e que “a interposição da providência cautelar não constitui qualquer surpresa”. Segundo a mesma nota, a providência vai ser contestada logo que o município seja notificado da mesma.

Ministério da Cultura atento

O Ministério da Cultura está “disponível para prestar apoio ao município” no que respeita à fábrica Confiança, desde que esse apoio seja “solicitado”, revelou o deputado do BE eleito pelo distrito de Braga, Pedro Soares, num comunicado emitido nesta quarta-feira. Em conjunto com o também bloquista Jorge Campos, Pedro Soares enviara, em 30 de Setembro, uma pergunta ao Ministério da Cultura sobre o processo de venda da Confiança. O deputado espera que a atitude do Governo estabeleça “uma linha de diálogo” entre a Câmara de Braga e as entidades que se opõem à alienação. Também a Comissão Parlamentar da Cultura já anunciou uma visita à antiga fábrica.

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