IMI das casas devolutas de Faro triplica – mas há quem escape

O Gabinete de Reabilitação Urbana admite que a lista dos 165 imóveis desocupados “está muito longe de esgotar a totalidade dos prédios devolutos do concelho”. À margem das normas, já há quem esteja a fugir ao agravamento dos impostos.

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Com estas medidas, a autarquia prevê obter uma receita adicional de 60.586 mil euros Rui Gaudêncio

Os proprietários das casas degradadas e não habitadas de Faro vão ser penalizados com um aumento do imposto municipal sobre imóveis (IMI), que triplica. Mas o maior prédio devoluto da cidade — a antiga fábrica da moagem — ficou de fora. O presidente da câmara, Rogério Bacalhau, justifica a decisão argumentando que o edifício já tem um pedido de informação prévia (PIP) aprovado. Segundo o autarca, desde que este ou qualquer outro proprietário demonstre a vontade efectiva de o recuperar, o imóvel não está sujeito ao agravamento das taxas.

No Algarve, esta é a única câmara a levar à prática esta medida, embora sem grande sucesso ao nível da receita. No ano passado, a câmara decidiu triplicar a taxa do IMI aos imóveis devolutos há mais de um ano. O Gabinete de Apoio à Reabilitação Urbana identificou 165 prédios, tendo admitido que a listagem “está muito longe de esgotar a totalidade dos prédios devolutos do concelho”. Com estas medidas, a autarquia prevê obter uma receita adicional de 60.586 mil euros, num orçamento de 40 milhões.

A antiga fábrica pertence à Cleber Sociedade Imobiliária SA, a que esteve ligado o ex-presidente da câmara de Faro Luís Coelho (PS). O velho edifício ocupa um quarteirão inteiro e fica situado próximo da estação da CP. Para aquele local está projectada a construção de um complexo habitacional, que chegou a ter aprovada uma operação financeira no valor de 36 milhões de euros, apoiada pelo ex-BES. Será uma urbanização de luxo — quatro torres com mais de 150 apartamentos.

Do outro lado da via onde se situa a antiga fábrica da moagem, na Rua Miguel Bombarda, os imóveis referenciados com os números 2, 4, 26 e 62 não tiveram o mesmo tratamento na aplicação das taxas municipais. Um exemplo: uma habitação com o valor patrimonial de 15.410 euros e que pagava de IMI 69,35 euros, passou a pagar 208,04 euros.

Algo análogo não acontecerá à propriedade da Cleber, de que é sócio o construtor José Guerreiro de Brito. Para Rogério Bacalhau, este caso cumpre os requisitos para ficar fora do agravamento do IMI. “O PIP está ainda válido até final do mês”, enfatizou. Porém, não deixa de denunciar que foram detectados casos em que os contribuintes apresentaram apenas requerimentos para fugirem ao agravamento das taxas sem terem exibido projectos e pedidos de licenciamento de obras. O caso mais paradigmático, destaca, é o café Aliança, situado na Baixa da cidade, inserido na área de reabilitação urbana (ARU). “Pedi à fiscalização para actuar neste e noutros casos, quando manifestamente não existe intenção de reabilitar”, disse. Nas zonas integradas na ARU, os proprietários que pretendam efectuar obras de reabilitação urbana beneficiam de incentivos fiscais e isenções de taxas urbanísticas.

A Câmara de Portimão, por ter estado, tal como sucedeu ao município de Faro, sujeita ao Plano de Reequilíbrio Financeiro, aprovou o agravamento das taxas do IMI aos prédios devolutos, mas não executou a medida.

Construtor engana câmara

O último inquilino da antiga fábrica da moagem foi a Associação Recreativa e Cultural de Músicos (ARCM), que teve de o abandonar no final de Março de 2014. Cerca de 150 músicos, agrupados em 30 bandas, foram desalojados daquele espaço, porque um promotor imobiliário pretendia desenvolver naquele sítio uma grande operação urbanística — 23 mil metros quadrados de construção acima do solo.

Em alternativa, a autarquia arranjou alojamento provisório no edifício da antiga fábrica da cerveja, situada na zona histórica da cidade.

Mas a associação voltou a estar na iminência de ficar outra vez sem sede. O edifício que os músicos ocupam provisoriamente encontra-se na lista dos imóveis que a câmara tem para vender em hasta pública.

“Investimos aqui [fábrica da cerveja] o nosso dinheiro, 50 mil euros, e muito trabalho voluntário, na recuperação do edifício”, lamenta o presidente da ARCM, Armindo Silva. Rogério Bacalhau, no entanto, afirmou ao PÚBLICO, que a operação só terá lugar “quando conseguir encontrar uma solução para os músicos”.

A proposta que está em cima da mesa para resolver definitivamente o problema da sede da associação foi negociada com a autarquia em 2011. Passa pela construção de um novo edifício, orçado em um milhão de euros, num terreno que será cedido em direito de superfície pela autarquia. Só que o terreno, afinal, não pertence à câmara — situa-se junto à ria Formosa, fica dentro da faixa dos 50 metros da linha máxima da praia mar e, por conseguinte, faz parte do domínio público marítimo. Nada lá pode ser construído e terá de ser devolvido ao Estado.

O terreno em causa, com a área de 5426 metros quadrados, foi desafectado de uma parcela que totaliza 14.914 metros quadrados — recebida pelo município em 1996 por doação de um urbanizador como contrapartida de um alvará de loteamento, em nome da Interfarus — Urbanizações e Construções, Limitada, tendo como primeiro sócio Leonel Ferreira Major.

Mas afinal tudo não passou de um logro, já que o tribunal apurou que o terreno “sempre foi domínio público, nunca foi privado, nunca houve qualquer decisão que o retirasse do domínio público”.

A associação de músicos, entretanto, já registou a propriedade em seu nome e ficou a pagar 1200 euros de IMI desde 2013. Com a aprovação do Orçamento do Estado de 2017, a situação agravou-se: foi aplicado o adicional ao imposto municipal de imóveis (AIMI), o que representa um encargo de mais 1099 euros por ano. “Mas, sabemos agora, estamos a pagar imposto por um terreno que, afinal, não nos pertence”, diz Armindo Silva, adiantando que o “enredo” não fica por aqui. O Tribunal da Comarca de Faro declarou, com sentença transitada em julgado em 2015, que o lote integra o património do Estado, por se encontrar na zona do domínio público marítimo.

A câmara municipal, entretanto, pediu à ARCM para que fosse anulado o contrato de cedência da propriedade, avaliada pelas Finanças em 285 mil euros.

Porém, existe outro problema para os músicos: sobre o terreno recai uma hipoteca judicial no valor de 90 mil euros, a favor da Cleber.  “Os construtores civis [proprietários da antiga moagem] voltaram a atacar, e mesmo depois de termos desocupado o espaço, e assinado um plano de pagamento das rendas em atraso — e estamos a cumprir —, lançaram uma hipoteca para nos tramar”, diz o presidente da associação.

Armindo Silva mostra-se perplexo com o que se está passar. “Estamos a cumprir com o que foi acordado em tribunal, não percebo a desconfiança dos empresários em relação aos músicos.” É que, explica, a Cleber lançou a hipoteca sobre o terreno, mas não se ficou por aí. Existe ainda outra hipoteca, com o mesmo valor, a incidir sobre o apartamento de Celso Pedro, que foi fiador da associação nesta transacção.

Desta forma, o construtor quer ter a garantia de que os 70 mil euros, mais 20 mil de juros, referentes ao pagamento das rendas em atraso vão ser liquidados. “Estamos num impasse”, comenta o dirigente associativo, sabendo que tem de devolver o terreno que a câmara recebeu para que ali fosse construído um “equipamento de utilização colectiva”.

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