Museu da Cortiça de Silves, distinguido na Europa e ignorado em Portugal, poderá passar a ser um aparthotel

Câmara pediu – ainda sem resposta - a classificação de património de “interesse público” à DGPC e reclamou no tribunal “direito de preferência” na compra do espólio. O Museu, encerrado há dez anos, é disputado pelos interesses imobiliários.

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Rui Gaudêncio
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O espólio do Museu da Cortiça de Silves, considerado o “Melhor Museu Europeu” na categoria de património industrial (prémio Luigi Micheletti, 2001), está encaixotado e na posse de uma empresa privada. O processo para classificação de “interesse público” aguarda decisão da Direcção-Geral do Património (DGPC). Entretanto, o anteprojecto da construção de um aparthotel naquele sítio já obteve um “parecer prévio” de viabilidade. O município espera, há mais de um ano, que seja proferida a sentença da acção que interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé reclamando o “direito de preferência” na aquisição dos bens culturais.

O espólio – documentos, peças de manufactura e máquinas - pertencem ao Grupo Nogueira, uma empresa do ramo alimentar. Os edifícios - fábrica e armazéns da cortiça - são propriedade da Caixa Geral de Depósitos (DGP). O museu encerrou no dia 18 de Maio de 2010. A partir desta data, reina o abandono e a degradação de um património com elementos únicos na história da cortiça em Portugal. A câmara, entretanto, avançou para a classificação de “interesse municipal” dos edifícios e de todos elementos ligados à secular unidade fabril. Porém, a deliberação tomada há seis anos, ainda não se concretizou. É que a classificação do património, explica o vereador Maxime Bispo, jurista, está dependente da “autorização do proprietário”. Mas, adianta, o facto destes bens se encontrarem “em vias de classificação” impediu que fossem vendidos ou deslocalizados.

O colapso do museu, instalado na Fábrica do Inglês, fundada em 1894, foi consequência da insolvência da Alicoop/Alisuper - uma cadeira regional de supermercados que foi proprietária deste espaço cultural e de animação turística. A família Nogueira, originária do Douro, já em fase de pré-falência da empresa algarvia adquiriu, em 2012, a rede das 49 lojas da Alisuper. O Museu sempre foi considerado um caso à parte do conjunto dos activos do grupo mas a crise financeira empurrou tudo para o mesmo saco. A Caixa Geral de Depósitos (CGD), um dos principais bancos credores, num leilão realizado no dia 30 de Maio de 2014, viria a arrematar todos os edifícios da antiga fábrica de cortiça e já encontrou investidor para construir um aparthotel, com 120 quartos, no lugar que foi ocupado com uma tenda para espectáculos de animação turística

O espólio foi vendido num lote à parte à família Nogueira. A câmara foi à disputa do património, em hasta pública, mas ficou a mil euros de distância da melhor oferta – 36 mil euros. Um mês depois, os bens foram vendidos à empresa Rustinativa, Ldª por mais 4 mil euros que, por sua vez, os transaccionou para a ExcelenteMagia - Unipessoal Ldª, ligada ao mesmo universo empresarial. O município, em Junho de 2016, intenta uma acção contra as duas firmas, alegando que não lhe tinha sido dado conhecimento prévio da transacção a fim de exercer o “direito de preferência”, como seria, no seu entender, obrigatório. O julgamento terminou em Junho do ano passado mas a sentença ainda não é conhecida.

O município defende que o património material e imaterial não podem ser dissociados. “Fazem parte de um todo e, em Silves, quase todas as famílias têm alguém que esteve ligado a esta Fábrica”, diz Maxime Bispo, excluindo qualquer hipótese do espólio poder vir a ser deslocalizado: “Só ali é que as coisas fazem sentido e têm significado”, sublinha.

Na mesma linha de pensamento, o primeiro e único director do Museu, Manuel Ramos, defende que “só a câmara pode ser dona da Fábrica do Inglês” pelo interesse público que representa este património. “Estão ali peças únicas em Portugal e no mundo”, enfatiza, destacando que esse valor obteve reconhecimento internacional (prémio Luigi Micheletti) mas as entidades nacionais ainda não terão percebido a sua importância. “O anúncio no Diário da República com a abertura do primeiro procedimento de nível nacional pela DGPC, teve lugar no dia 14 de Abril de 2016”, precisa. O processo, com avanços e recuos, encontra-se há dois meses na DGPC para emitir o parecer final.

Mas, entretanto, nos serviços de urbanismo já deu entrada um anteprojecto para a construção de uma unidade hoteleira. O pedido de “informação prévia”, informou Maxime Bispo, obteve viabilidade com a sugestão de alguns ajustes arquitectónicos e condição de “manter a preservação de todos os imóveis relacionados com a fábrica, bem como todo o espólio que lhe está associado”.

A mesma leitura fez a direcção regional de cultura do Algarve, que deu parecer favorável. O historiador Manuel Ramos remata: “Talvez o mais importante arquivo sobre a história da cortiça exista em Silves”. Desde os tempos da manufactura à era industrial, “há peças únicas no mundo” e o estudo das lutas operárias dos corticeiros, também, pode ser sustentado por documentos existentes no arquivo.

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