“Nunca achei que as empresas municipais servissem para grande coisa”

Humberto Brito, o presidente da câmara de Paços de Ferreira, não aceitou internalizar dívidas de uma empresa municipal, e está a dissolver outra. Pretende terminar contrato com a EDP distribuição, e pedir-lhe uma indemnização por incumprimento de contrato. Diz que não tem nada contra os privados, mas acredita que são os municípios quem devem assumir a gestão de todos os serviços.

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Humberto Brito Joana Gonçalves

O presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Humberto Brito, não só se recusou a internalizar as dívidas de uma empresa municipal, que acabou na insolvência, como está a preparar a dissolução de outra, para a integrar na autarquia, como se prepara para municipalizar a gestão dos serviços essenciais como a recolha de resíduos e a distribuição da energia. Só não conseguiu, ainda, resolver o problema que tem com a concessão de água, depois de também se ter recusado a pagar o reequilíbrio financeiro pedido. “O trabalho de um presidente da câmara é gerir. Não é dar palmadas nas costas, e assinar de cruz”, afirma o autarca eleito no segundo mandato pelo PS, num município que esteve os anteriores 37 anos nas mãos do PSD.

Depois de vários anos a discutir em tribunal se uma empresa municipal pode ou não falir, a PFR Invest está em liquidação. Que consequência directa tem este facto na gestão da câmara?

Nunca tive um papel interventivo na PFR. A única coisa que me apareceu foi o pagamento de dívidas de mais de 50 milhões de euros. Decidi que não as internalizava, até porque não tinha condições para o fazer. Não tinha dinheiro para nada. Mas também porque na minha modesta opinião, mais do que atrair novos investimentos, que custam dinheiro, acho que enquanto gestor de câmara tenho de valorizar quem cá está.

Desde que assumiu a câmara não veio nenhuma nova empresa para o concelho?

Vieram muitas. Temos neste momento em curso um volume de investimento no concelho de 100 milhões de euros e mais de 20 projectos de empresas que vieram de fora. Mas não quero entrar num campeonato concorrencial com municípios que dão tudo. Somos um território pequeno, temos cinco mil empresas instaladas, facturam 1,2 mil milhões de euros anuais. A indústria do mobiliário de Paços de Ferreira está a crescer ao ritmo do turismo, 10% ao ano. Quem quer vir para cá instalar-se tem de perceber que aqui temos um ecossistema, um cluster e que tem de pagar. Se eu quiser fazer um investimento no centro do Porto, a câmara não me vai oferecer nenhum terreno. Essa obsessão levou a loucuras e os que vão pagar são os que cá estão, e que nunca tiveram apoios, nem isenção de IMI e de IMT. Eu sou filho de um industrial do mobiliário desta terra e ao meu pai nunca ninguém deu nada.

Fala em ecossistema empresarial. Há atractivos suficientes? O trabalho da PFR ficou no início.

É bom não esquecer que o partido anterior esteve cá 37 anos e só começou a pensar em zonas industriais em 2008, 2009, 2010. Quando havia recessão  na economia, o concelho predispôs-se a construir oito zonas industriais em simultâneo. Lembro-me que em 2010 foi a reunião de câmara a aquisição pela PFR de dez milhões de euros em terrenos! Além disso, os preços de aquisição era muito acima de valor de mercado.

Das oito zonas industriais o que é que avançou?

Foi-se avançando. Percebeu-se que havia uma pressa  para receber fundos comunitários para pagar projectos anteriores, nunca houve cuidado de perceber se isso correspondia às necessidades e à procura. Depois houve muitos investimentos anunciados que não se concretizaram. Mas nós temos um tecido económico resistente e resiliente. Como prémio destes quatro anos de esforço, somos o concelho de Portugal que mais reduziu a taxa de desemprego.

Qual foi o contributo da câmara nisso?

Diplomacia económica, esforço de promoção estratégica e articulada. Nós vivemos ciclos económicos cada vez mais curtos. Mais importante que a captação de investimentos é preciso criar oportunidades de negócio, e nós temos a vantagem de sermos o  maior centro de produção e exposição de mobiliário da Europa, com um milhão e meio de metros quadrados, e próximos de nós, com a aviação low cost, está uma população de 500 milhões de consumidores.

Para que serve uma empresa municipal, no seu entender?

O partido que esteve antes de nós entendeu que todos os serviços públicos, como a água, a recolha de resíduos, a gestão de espaços desportivos, e até a gestão urbanística, devia ser feito fora da câmara municipal. Eu defendo o contrário. Demonstramos que é possível ter bons serviços públicos, optimizando os recursos internos que estão ao nosso dispor. Conseguimos ter resposta mais imediata e económica, para além do controlo democrático que pode ser feito pela oposição na câmara, que pode acompanhar todos esses custos.

Onde é que está demonstrado?

O contrato que temos com uma empresa para efectuar o serviço de recolha de resíduos e limpeza urbana termina em Maio, mas pode prolongar-se até Dezembro. Estamos a trabalhar para que esses serviços sejam internalizados no município e os custos que temos apurados são praticamente metade do que estou a pagar. Ou seja, consigo prestar esse serviço à população de uma forma mais económica.

Vai fazer o mesmo com outros serviços? Como é com a distribuição da energia eléctrica?

No caso da EDP ainda vamos mais longe porque consideramos que a empresa não cumpre com as suas obrigações contratuais, e vamos avançar com uma acção judicial. A EDP estava obrigada a fazer um volume de investimento de 12% sobre o valor da factura anual, que é cerca de um milhão de euros. Quando questionámos a EDP sobre onde tinha feito esses investimentos, a resposta que recebemos não foi satisfatória.

Qual é o montante de indemnização que vai pedir à EDP?

Estamos a falar de 1,6 milhões de euros. Foram 14 anos, a 120 mil euros por ano. O contrato expira em 2021, mas há uma portaria que diz que em 2019 podem ser antecipados. Já percebemos o lobby que está instalado por parte da EDP e esperamos que o Governo que gere Portugal seja forte e não venha a criar nenhum empecilho ou entrave a que os municípios ou associações de municípios possam assumir essas funções. Já aconteceu com este governo no âmbito dos transportes públicos, nomeadamente na Área Metropolitana do Porto, espero que em matéria de distribuição de energia eléctrica os compromissos assumidos com os investidores chineses não estejam acima do que é a salvaguarda do interesse publico. São ganhos que os municípios tem. Se dão lucros a privados, também podem dar benefícios às pessoas e aos cidadãos.

É uma posição ideológica? Não dar negócios a privados?

Não vou fazer essa leitura, eu não tenho nada contra privados. Mas sempre que puder os serviços são municipais. Sobretudo em serviços públicos que pela sua própria natureza merecem uma certa protecção, para que a qualidade de serviço seja boa e o preço não seja oneroso. Eu não acredito nos reguladores. Temos vários exemplos de entidades que falham na supervisão.

Como está o caso da concessão de água? Quando termina o contrato?

Em 2035. E ainda não conseguimos resolver o pedido de reequilíbrio financeiro, de mais de 100 milhões de euros. Quem de nós não gostaria de assinar um contrato em que o estado se compromete a pagar a diferença entre as receitas reais e os rendimentos elevadíssimos que o privado esperava ter? Isto é absurdo e incompreensível.

A que se referem esses 100 milhões de euros?

Como é que em 2004 um concelho que tinha 50 mil habitantes considerou que no prazo de 30 anos ia passar para 80 mil e que cada habitante iria gastar 130 litros água por dia (a média nacional anda à volta de 80 litros)? Quando se elabora um caderno de encargos destes, se põe isto a concurso, é evidente que os grandes grupos económicos têm interesse nestas áreas, candidatam-se, ganham e depois exigem o que esta cláusula de salvaguarda fique estabelecida contratualmente. E ainda estabelecem taxas internas de rentabilidade (TIR accionistas) superiores a 10% e cobravam 2500 euros por cada ligação à rede. Quem perde nesta história? O município.

A sua opção politica vai ser internalizar todos os serviços?

Estou numa fase de estudo, de ponderação e de avaliação. Nunca achei que as empresas municipais servissem para grande coisa. Na questão da PFR, por exemplo, a câmara tem meios de definir zonas industriais, não precisava de ter uma empresa municipal para andar a comprar terrenos. Também não acho que faça sentido ter uma empresa como a Gespaços para gerir piscinas e espaços desportivos. Já levamos a reunião de câmara e assembleia municipal a decisão de a extinguir. E é isso que vamos fazer. Houve um compasso de espera enquanto se limpavam os 2,2 milhões de euros de dívidas, porque quisemos internalizar a empresa sem passivo. Na prestação de serviços públicos, essenciais, aqui sim, poderemos criar uma empresa para esse fim. 

Aqui já faz sentido empresarializar a gestão?

Sim. Até porque olhando para o novo código de contratos públicos, o Estado cria de tal forma barreiras de decisão que de alguma forma torna impossível uma gestão expediente. Empurra-nos para os privados, e não devia ser esse o objectivo. As questões da transparência e da legalidade são muito importantes, mas não é criando obstáculos a contratualização que resolvemos os problemas. 

Entretanto, tomou a decisão, unilateral, de baixar a tarifa da água. Não houve novos pedidos de equilíbrio financeiro?

Estamos à procura de um novo regime. Pedi ajuda ao ministério do Ambiente mas ainda não vi solução. Lamento profundamente que o Governo, quando conseguiu criar o FAM (Fundo de Assistência ao Município), tenha imposto que estes municípios não podem fazer resgaste de concessões. Esse era o argumento para a ERSAR chegar a acordo. Esperemos que seja o Tribunal de Contas (TdC) a dirimir este confronto. A minha grande salvaguarda em toda esta  situação é que eu disse que isto só era válido depois de ter visto do ERSAR e do TdC. Não pagarei nada para efeitos de reequilíbrio que não seja validado pelo TdC.

 

Notícia corrigida a 4 de Maio para eliminar gralhas (20 empresas em vez de 290; "mais de 50 milhões" em vez de "57 milhões") e erros que surgiram durante a transcrição da entrevista ( "consigo prestar esse serviço à população de uma forma mais económica", em vez de "consigo pagar esse serviço"). Pelo lapso pedimos desculpa ao visado e aos leitores.

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