A América que desprezamos

A pergunta mais importante que interessa fazer no primeiro aniversário da Casa Branca de Trump é se vai existir segundo. E talvez não exista mesmo: o processo de conluio com a Rússia que está a ser investigado pelo procurador especial tem tantas pontas soltas que será estranho que nenhuma leve ao Presidente Trump. Esse deverá ser o tema de 2018, em que uma Casa Branca cada vez mais inoperante vai tentar responder ao cerco movido pela justiça, mas este mandato é tão inusitado que há muito por onde explorar.

O Presidente Trump começou a mentir assim que tomou posse, sobre a própria tomada de posse. E continuou durante todo o ano, culminando num evento em que decidiu premiar as notícias mais falsas – começando logo por destacar um artigo que é uma opinião e não uma notícia. E este foi o padrão que se manteve ao longo dos doze meses: muito pouca política e ainda menos governação, mas com dose extra de intriga e rebaldaria.

Os americanos estão presos na Trumplândia, de onde não conseguem sair: se ignoram a constante diarreia mental do Presidente, contribuem para a lavagem da sua imagem; se a destacam, arriscam ser cúmplices na degradação do discurso público. Este problema começa nos média e estende-se para as discussões partidárias, pelo que ninguém sabe muito bem o que fazer com Donald Trump nem com este ano incrivelmente estranho na Casa Branca.

O New York Times fez esta semana a interessante experiência de abrir as páginas de opinião aos fiéis do Presidente, cidadãos comuns que votaram Trump e que ainda o apoiam sem hesitações. Estes elogiam a combatividade, a clareza de ideias e, naturalmente, a coragem de pôr “a América primeiro”. São os mesmos que o elogiam no Twitter e contribuem para propagar o seu discurso, são os que marcam presença nos seus comícios e os que só consomem a Fox com medo de serem contaminados pelas mentiras da imprensa liberal. Se algo ficou claro neste ano, foi a existência de uma América que se revê no estilo e na substância de Trump: é uma América ultraconservadora, racista, misógina, isolacionista e ignorante. Todos sabíamos que existia, todos a desprezamos mas ninguém conhecia a sua dimensão – e agora que se percebeu que é capaz de eleger presidentes, já ninguém duvida do seu poder. É a América que preferíamos que não existisse, que gostaríamos de colocar ao lado dos equívocos históricos mas que não poderemos arrumar tão cedo.

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