Se os curdos fizeram um acordo com Assad como fica a Síria?

Turquia ameaça uma ofensiva sem limites contra Afrin se Presidente sírio socorrer governo autónomo do Curdistão.

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Combatentes do Exército Livre da Síria, aliado da Turquia Khalil Ashaw/REUTERS

As milícias curdas que controlam Afrin, no Norte da Síria, fizeram um acordo com o regime de Bashar Al-Assad para repelir a ofensiva da Turquia, que há cerca de um mês ataca esta cidade. A entrada do exército de Bashar Al-Assad, em auxílio das milícias curdas YPG, pode estar “por horas”, anunciou a agência noticiosa síria. “Se vierem defender as YPG, nada travará os soldados turcos”, ameaçou o ministro dos Negócios Estrangeiros de Ancara, Mevlut Cavusoglu.

Este é um novo momento de alta tensão na guerra da Síria, que está longe ainda de ter terminado. A apoiar o regime de Assad estão a Rússia e o Irão. Por isso, um eventual confronto de tropas turcas com o exército de Assad transformar-se-ia numa “guerra por procuração” com estas potências. Por isso, o Presidente turco, Recep Erdogan, falou ao telefone esta segunda-feira com o russo Vladimir Putin e o iraniano Hassan Rohani.

A operação turca contra Afrin, denominada Ramo de Oliveira, foi lançada a 20 de Janeiro, forçando a fuga de centenas de milhares de civis.

Segundo Erdogan, a entrada das tropas turcas na Síria destinava-se a combater “o terror curdo” – embora o que isto traduzisse era a intenção de impedir que as três regiões curdas do Norte da Síria estabeleçam continuidade territorial desde a fronteira turca até às zonas curdas da Síria e do Iraque. As outras duas regiões curdas são Jazira e Eufrates, que se declararam autónomas do resto da Síria em 2014 (integram a Federação Democrática do Norte da Síria, a que os curdos chamam Rojava). O objectivo de Ancara era conquistar território suficiente para criar uma “zona-tampão” onde o Governo turco pretende colocar os 3,5 milhões de sírios que fugiram de Assad e se refugiaram na Turquia.

Com esta ofensiva, a Turquia colocou-se potencialmente na posição de poder vir a entrar em conflito com os Estados Unidos – que têm apoiado as YPG (unidades de Protecção Popular), milícias do Partido da União Democrática, que desde 2012 controla Afrin.

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Protesto contra a campanha turca em Afrin OMER MESSINGER/EPA

A incursão territorial da Turquia no Norte da Síria rumo a Afrin caracterizou-se ainda pelo uso de brigadas do Exército Livre da Síria – os media turcos mostraram imagens de 20 autocarros com guerrilheiros deste grupo mobilizados para combater em Afrin, relata o site Al-Monitor. Não é a primeira vez que este grupo, ou o que resta desta formação que teve um papel importante no início da guerra na Síria, faz as funções de extensão da força militar turca no país vizinho.

"Ainda pode falhar"

Mas há notícias a circular nas redes sociais de que com este Exército Livre da Síria combatem também curdos da região que não apoiam o Partido da União Democrática, que controla Afrin. Dizem lutar contra confiscações de terras e habitações, prisões de opositores e mobilizações forçadas de adolescentes e pessoas mais velhas. E, ao mesmo tempo, juram lealdade à revolução contra Bashar Al-Assad.

O que é realmente novo neste conflito é o acordo que está a ser anunciado entre Damasco e os curdos de Afrin – com o objectivo declarado de defender as forças curdas da ofensiva turca. Responsáveis curdos disseram à Reuters que o acordo, de que já se fala desde o fim-de-semana, devia ter sido oficializado durante o dia de segunda-feira. Só não foi ainda devido “a pressões externas.”

“O acordo pode ainda falhar”, disse à Reuters Badran Jia Kurd, conselheiro da administração de Rojava. Foram negociados apenas aspectos militares, de defesa do território face à ofensiva turca. Quais outros assuntos, políticos ou administrativos, teriam de esperar por outras negociações entre Damasco e o governo autónomo curdo.

Se houver de facto um acordo entre os curdos do Norte da Síria e o Governo de Damasco, as duas forças do conflito que detêm mais território no país massacrado por quase sete anos de guerra – e que se têm poupado a entrar em conflito directo – abrem-se de facto novas possibilidades. “Se as forças do Governo sírio entrarem na região de Afrin, isso significará que dão luz verde para a divisão da Síria”, afirmou o vice-primeiro-ministro turco, Bekir Bozdag.

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