Não vale a pena ter ilusões

Este é o segundo golpe violento na integração europeia em menos de dois anos. O primeiro é a saída do Reino Unido.

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1. Não vale a pena ter ilusões. Falta ainda a palavra final do Presidente italiano para ficar definida a nova configuração do governo de Roma. Mas, no essencial, já pouca coisa mudará. Sessenta por cento dos italianos pensam que os partidos de Matteo Salvini e Luigi Di Maio devem governar. Pela primeira vez, o governo de uma democracia da Europa Ocidental é constituído por dois partidos que são simultaneamente anti-sistema e antieuropeus. Poder-se-á dizer que já há casos idênticos nos países de Leste. É verdade. A natureza nacionalista e xenófoba faz parte do ADN dos governos de Budapeste ou de Varsóvia. Há outros países, como a Áustria, que já integram um partido de extrema-direita no governo, como parceiro menor do centro-direita. O preço que esse partido pagou foi pôr a oposição à Europa no congelador. Mas a Itália é a Itália e a profunda crise que a Europa viveu desde 2010 pôs em evidência que o velho “princípio da igualdade entre os Estados”, inscrito em todos os tratados, não passa de uma abstracção.

2. A entrada em funções do próximo governo italiano não podia ser menos oportuna. Estamos a um mês do Conselho Europeu de finais de Junho, em cuja agenda está o debate de uma proposta conjunta da chanceler alemã e do Presidente francês para “relançar” a Europa, incluindo uma reforma da zona euro que crie as condições para que a próxima crise económica não provoque os mesmos efeitos destruidores da última. A distância entre Merkel e Macron ainda é grande. Os dois ministros das Finanças, Bruno Le Maire e Olaf Scholz, estão a trabalhar em contra-relógio. A negociação é tanto mais difícil quanto a boa vontade da chanceler está hoje bastante mais limitada pelo seu próprio partido (CDU) e pelo partido irmão da Baviera (CSU), menos convictos de que a Europa e o euro continuam a ser um interesse vital da Alemanha. O próprio SPD, teoricamente mais próximo das propostas de França, está “incomodado” pelo desempenho do seu ministro das Finanças, tão intransigente como Wolfgang Schauble quanto às regras, com a agravante de não partilhar com o seu antecessor uma profunda convicção sobre a importância da Europa.

A pergunta a fazer é simples: a Alemanha vai mostrar-se disponível para “partilhar os riscos” com o conjunto dos países da zona euro, com a perspectiva de um governo em Roma que põe abertamente em causa as regras de funcionamento da moeda única e cujo amor pela Europa é muito relativo ou meramente circunstancial?

3. António Vitorino chama a atenção para o próprio calendário europeu, igualmente desfavorável. As eleições para o Parlamento Europeu são na Primavera de 2019 e já ninguém tem grandes dúvidas de que delas sairá uma assembleia bastante mais eurocéptica – reflexo das mutações políticas que se têm verificado em muitos países europeus. Acresce que as eleições europeias têm a particularidade de se transformarem facilmente em votos de protesto contra os governos, justamente porque não têm consequências a nível nacional. O Partido dos Socialistas e Democratas pode ser um dos mais afectados, mas o Partido Popular Europeu, de centro-direita, também não passará incólume. Emmanuel Macron ainda tentou criar um novo grupo parlamentar com outras forças políticas mais próximas do seu partido, que se revissem na sua visão para a Europa. Não conseguiu. La République En Marche, que elegerá um número elevado de eurodeputados, poderá vir a integrar o Grupo Liberal, hoje a terceira força política do PE. “Constituir uma nova Comissão a partir destes resultados será igualmente mais difícil”, lembra o antigo comissário. É o receio deste cenário adverso, a que se soma a negociação do próximo orçamento plurianual, que tem levado alguns governos (entre os quais o português) a insistir em que seria bom “fechar” algumas reformas fundamentais ainda com este Parlamento e esta Comissão. A Itália reduz essa possibilidade.

4. Os mais optimistas insistem em dar o exemplo da Grécia, onde um governo liderado por um partido de esquerda radical, associado a outro de direita nacionalista, acabou por aceitar um “programa de ajustamento” muito duro para poder manter-se no euro. A Itália não é a Grécia. A Liga é um partido em quase tudo semelhante à Frente Nacional de Marine Le Pen. O último grande susto que a Europa sofreu foi, precisamente, a possibilidade de Marine ganhar as eleições presidenciais. As negociações da Liga com o Cinco Estrelas mostraram que foi, em grande medida, o seu programa que prevaleceu, mesmo não sendo o partido mais votado. Wolfgang Munchau escreve na sua coluno do Financial Times que não vale a pena argumentar que a reacção negativa dos mercados financeiros se encarregaria de forçar a mão ao próximo governo de Itália. “Para alguém como Salvini, uma crise financeira não é uma ameaça, mas antes uma promessa, que lhe permitiria acabar de vez com a pertença ao euro”. “O erro está em pensar que, dentro da cabeça do líder da Liga está uma mente centrista”, escreve ainda Munchau. Para concluir: “Eles chegaram ao poder precisamente porque os partidos moderados falharam na economia, e não existe uma barreira “técnica” de último recurso para a democracia liberal”.

Como vão reagir a chanceler alemã e o Presidente francês ao novo governo italiano e aos riscos que ele comporta? Ainda não sabemos. O que sabemos é que este é o segundo golpe violento na integração europeia em menos de dois anos. O primeiro é a saída do Reino Unido.

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