Mueller diz que não ponderou acusar Trump, porque regras do Departamento de Justiça não permitem

Procurador especial encarregado pela investigação sobre a suspeita de influência russa nas eleições de 2016 diz que na equipa ninguém está convencido de que o Presidente não cometeu um crime. Democratas pedem início de processo de impeachment.

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Robert Mueller falou a primeira vez em publico sobre o relatório JIM BOURG/Reuters

A frase do procurador especial Robert Mueller não podia ter sido mais clara. “Se estivéssemos convencidos de que o Presidente não cometeu nenhum crime, teríamos dito isso”, disse esta quarta-feira sobre a sua investigação à interferência da Rússia nas eleições de 2016 e as suspeitas de que Donald Trump teria tentado obstruir a investigação.

A afirmação foi vista pelos democratas como uma passagem de testemunho ao Congresso e logo candidatos à nomeação democrata para as próximas presidenciais como Kamala Harris, Beto O’Rourke ou Elizabeth Warren pediram o início de um processo de impeachment (destituição) contra o Presidente. 

Trump reagiu dizendo que após esta declaração “não muda nada” em relação ao relatório de Mueller. “Não há provas suficientes e, por isso, no nosso país, uma pessoa é inocente.”

Mueller explicou que a sua investigação nunca poderia ter tido como resultado uma acusação contra Donald Trump, porque as regras do Departamento de Justiça não permitem acusar um Presidente em funções. Por isso, esta não foi sequer uma opção considerada pela equipa.

“Concluímos que não podíamos chegar a uma determinação de um modo ou de outro sobre se o Presidente cometeu um crime”, disse Mueller. Não seria “justo” acusar alguém de um crime, quando o acusado não iria ter a oportunidade de se defender em tribunal, explicou. 

Matthew Jacobs, antigo procurador, disse que viu a declaração de Mueller como “dizendo, à sua maneira, que foi cometido um crime”, cita a agência Reuters.

Na impossibilidade de ser feita uma acusação judicial a um Presidente por suspeita de um crime, a Constituição requer outro processo que corra noutra sede que não o sistema de Justiça criminal, disse Mueller: foi a porta aberta para os pedidos de início do processo de destituição pelo Congresso. 

Estes têm esbarrado na oposição da speaker da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi. Reagindo à declaração de Mueller, Pelosi disse apenas que “o Congresso vai continuar a investigar e a legislar para proteger as nossas eleições e a nossa democracia”, e prometeu que “os americanos têm de saber a verdade”.

Ainda recentemente a speaker explicou porque não é a favor de uma iniciativa para um processo de impeachment: “A destituição é tão polarizadora para o país que, e a não ser que haja alguma coisa tão avassalador e consensual, penso que não devíamos seguir essa via, porque divide o país. E ele [Trump] não vale isso”.

O presidente Comissão de Assuntos Judiciais da Câmara dos Representantes, Jerry Nadler, também foi cuidadoso, comentando apenas que “em relação ao impeachment, todas as opções estão em cima da mesa e nenhuma deve ser excluída”.

A porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, disse que a Administração está pronta para um processo de destituição mas que “os americanos não merecem” isto, porque “cada minuto que o Congresso gasta nisso não está a gastar em infra-estruturas, em preços de medicamentos mais baixos, no Irão, China, Coreia do Norte, em novos acordos comerciais...”, enumerou. 

"Merece a atenção dos americanos"

Na primeira vez que falou em público sobre o relatório relativo à investigação que começou em Maio de 2017, Mueller concluiu que o que está nas suas 448 páginas falava por si. “Escolhemos bem as palavras”, sublinhou. “Além do que disse aqui hoje e do que está no nosso trabalho escrito, penso que não é apropriado dizer mais nada”, cita a agência Reuters.

Nesta declaração sem direito a perguntas, Mueller declarou a investigação “encerrada”, anunciou a sua demissão do Departamento de Justiça e o seu “regresso à vida privada”.

Uma versão muito editada do relatório foi publicada em Abril, concluindo que não havias provas suficientes de que a campanha do então candidato republicano tivesse feito parte de uma conspiração criminosa com Moscovo. O relator recusava-se, depois, a fazer uma apreciação sobre se Trump obstruiu a Justiça, embora descrevesse 11 vezes em que o Presidente tentou impedir a investigação, lembra o diário britânico The Guardian.

As últimas palavras de Mueller foram, todavia, para sublinhar que “houve múltiplos esforços sistemáticos para interferir na eleição [nos EUA] e a alegação merece a atenção de todos os americanos”.

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