Muitas incógnitas e uma certeza: a microcefalia “é um verdadeiro drama”

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Maria Geovana, uma bebé brasileira que nasceu com microcefalia Ueslei Marcelino/Reuters

Os cientistas consideram que há uma ligação “altamente provável” entre o vírus de Zika e as microcefalias ocorridas na América do Sul e nas Caraíbas, mas há várias interrogações sobre a forma como o vírus afecta os fetos nas mulheres grávidas.

P. O que é uma microcefalia?
R. “A microcefalia é uma diminuição do tamanho em relação à idade (gestacional ou à nascença) do encéfalo e, logo, do perímetro craniano (…) com mais ou menos lesões cerebrais”, explica o professor Jean-François Delfraissy, director do Instituto de Imunologia, Inflamação, Infecciologia e Microbiologia do Instituto Inserm, em França. As causas são múltiplas: infecciosas, virais, tóxicas ou por causa de uma placenta mal irrigada. Também podem ser causas genéticas desconhecidas.

P. O vírus de Zika é responsável pelo aumento significativo das microcefalias entre os recém-nascidos actualmente observado no Brasil?
R. “A ligação entre o Zika e a microcefalia é altamente provável mas ainda não foi provada no sentido científico do termo”, resume Delfraissy. Os investigadores avançam com uma ligação de causa-efeito, em parte por causa de um aumento significativo dos casos de microcefalia nas zonas endémicas do Zika, e em parte por causa da presença do vírus detectada em abortos de mulheres que vivem em zonas endémicas e cujo feto apresentava uma microcefalia. “Até agora, não tínhamos nenhuma informação sobre o possível papel do Zika como agente na origem de malformações. Não esperávamos isto porque é um vírus próximo de doenças que conhecemos melhor como a dengue e a febre-amarela, que provocam problemas de saúde sem no entanto causarem malformações”, explica André Cabié, chefe do serviço de doenças infecciosas e tropicais do centro hospitalar universitário da Martinica, nas Antilhas francesas.

P. Como é que o Zika age sobre o feto? E existe um tratamento?
R. “Sabemos que há infecções virais que podem provocar malformações, sobretudo quando acontecem no primeiro trimestre da gravidez, no momento em que os órgãos vitais se estão a formar”, explica Cabié.

A rubéola, o citomegalovírus ou a toxoplasmose são há muito identificadas como causas de malformações no feto. “Os vírus atravessam a placenta, e instalam-se no feto, por vezes ao nível de determinadas células cerebrais”, acrescenta Delfraissy.

Para compreender a infecção do feto pelo Zika, estão em curso estudos científicos, incluindo um na Polinésia Francesa, assolada por uma epidemia entre o final de 2013 e o início de 2014. Na Martinica, onde a epidemia se propaga actualmente, foi organizado um estudo por “coorte” [de pessoas que tem em comum um conjunto de características observadas durante um período de tempo], que agrupa mulheres grávidas para estabelecer com exactidão a relação entre o Zika e a microcefalia.

A dificuldade é que esta infecção é maioritariamente assintomática (não existem sintomas como a febre, por exemplo). Uma mulher grávida pode estar infectada sem o saber. Mas também há casos de mulheres grávidas afectadas pelo Zika e cujo bebé não apresenta microcefalia.

Por que é que o vírus age apenas em algumas mulheres grávidas? Há factores de risco? Doenças associadas? Há muitas perguntas às quais os cientistas e investigadores não conseguem responder. E os médicos não dispõem nem de instrumentos de diagnóstico nem de tratamento.

P. Quais são as consequências para a criança?
R. “Os casos de malformações graves não são compatíveis com uma vida prolongada. Se o cérebro não está desenvolvido, o corpo não pode funcionar. Na Polinésia, estas malformações conduziram maioritariamente a interrupções voluntárias da gravidez, já que os bebés só iriam sobreviver durante alguns dias”, sublinha Cabié.

“O primeiro desfecho pode ser a morte no útero por causa da gravidade da lesão cerebral”, acrescenta Delfraissy. “Para as crianças que nascem com uma microcefalia, o futuro é variável: o bebé pode ser um doente cerebral com uma variedade de intensidades no plano motor e défice cognitivo (intelectual), já que os circuitos cerebrais não conseguem funcionar bem”, explica Delfraissy.

Outras crianças, em que determinadas zonas do cérebro foram menos atingidas, poderão desenvolver-se “um pouco melhor no plano motor mas menos bem no plano psicomotor”. Mesmo nos casos “mais ligeiros”, o prognóstico ao nível funcional e psicomotor “mantém-se relativamente grave”. “É um verdadeiro drama”, conclui Delfraissy.

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