O exemplo dos países terminados em “écia”: Grécia e Suécia

1. De há muito que sigo o trajecto da política grega com a maior apreensão e que olho para a actuação da Europa – das suas instituições e de muitos dos Estados – face ao drama grego com grande perplexidade. Os partidos políticos gregos que tiveram responsabilidades governativas mostraram ao longo do tempo – especialmente antes da emergência da crise, mas também nos primeiros anos que se lhe seguiram – uma grande incapacidade de formar consensos à volta de um desígnio nacional.

É verdade – e isso não deve ser escondido – que não foram muito ajudados pelas instâncias europeias e internacionais (FMI) que revelaram uma especial insensibilidade a algumas das dificuldades “internas” que os governos gregos tinham de enfrentar. É também verdade que alguns Estados da zona euro e, em particular, os mais fortes em nada contribuíram, com uma atitude demasiado rígida e ortodoxa, para facilitar a formação desse consenso. E esta conjugação de propensões – o “oportunismo” político-partidário interno e a inflexibilidade das instituições credoras e afins – conduziu o espectro político grego a um grau muito forte de radicalização. Radicalização à esquerda, com o surgimento do Syriza e da sua visão demagógica, e radicalização à direita, com a emergência da “Aurora Dourada”. O impasse a que ontem chegou a política grega é o resultado, mais uma vez, de uma leitura “eleitoralista” da conjuntura e mostra que os interesses de ocasião e de oportunidade de algumas das formações partidárias teve prioridade sobre a prossecução estrita do interesse nacional grego. 

2. É extremamente curioso comparar esta atitude dos partidos políticos gregos, essencialmente motivada por uma ambição eleitoral de curto prazo, com o esforço que foi desenvolvido, no último mês, pelos partidos políticos suecos, no sentido de evitar a repetição de eleições em Março. Como é sabido, a Suécia teve eleições em Setembro e a coligação de centro-direita que estava no Governo perdeu-as para o Partido Social Democrata e seus aliados de esquerda. Estes, porém, não obtiveram a maioria absoluta dos mandatos e foram, por isso, obrigados a formar um Governo minoritário. A grande surpresa das eleições de Setembro foi, todavia, o resultado impressionante de um partido de extrema-direita – os Democratas das Suécia – que superou os 10% dos votos. Assim que entrou em funções o novo governo e submeteu o Orçamento ao Parlamento, este foi rejeitado. Perante a rejeição do seu orçamento e a iminência de ter de governar com um orçamento aprovado pela oposição (proposto pelo centro-direita, mas também votado pelos extremistas), o novo Primeiro-Ministro Lofven anunciou eleições antecipadas em Março. Este anúncio abalou a política sueca. A realizarem-se, seriam as primeiras eleições antecipadas em mais de 50 anos. E, por outro lado, tendo em conta os estudos de opinião, tudo apontava para que aquela formação radical de direita, claramente anti-imigração, pudesse reforçar a sua já relevante representação parlamentar. No Parlamento Europeu, pude ver como os deputados suecos, de centro-direita e de centro-esquerda, andavam atormentados com este cenário – para tantos outros, absolutamente trivial – de antecipação das eleições. Achavam que dava um mau sinal aos cidadãos, temiam que desse uma má imagem do país aos mercados, receavam pelo recrudescimento da xenofobia num país propenso ao asilo e ao acolhimento. Numa palavra, não buscavam nas eleições próximas uma oportunidade de desforra ou de desempate de um azar ou de um “karma” eleitoral. Estavam genuinamente preocupados com a mensagem que os cidadãos já lhes tinham dado e com a mensagem que eventualmente poderiam dar.

3. Tendo ouvido tudo isto sobre a situação sueca, foi ainda assim com surpresa que verifiquei, no fim-de-semana passado, que os partidos do Governo e os partidos moderados da oposição (de centro-direita, que haviam estado no Governo oito anos até Setembro passado) tinham chegado a um acordo. A um acordo de princípio que garante a sobrevivência do Governo minoritário de centro-esquerda até ao fim da legislatura e que, para além disso, se estende à legislatura seguinte de 2018-2022. Este acordo visa garantir a estabilidade nas grandes prioridades políticas do país e impedir que, nestes próximos oito anos, os extremistas de direita possam chegar ao Governo ou condicionar decisivamente as políticas do Executivo, seja este mais à esquerda ou mais à direita. A surpresa foi tanto maior quanto a Suécia – ao contrário da Alemanha, por exemplo – não tem uma cultura política de “bloco central” ou de “grande coligação” (embora tenha uma tradição de “respeito” pelo cumprimento do mandato integral de governos minoritários). Os políticos suecos puseram claramente o interesse nacional à frente do interesse dos partidos e, perante um cenário desafiador, não hesitaram em responder ao repto dos eleitores. Foram capazes de pôr diferenças de lado, foram capazes de abdicar de algumas das suas bandeiras políticas e foram capazes de ver muito para lá da simples conjuntura (chegando ao cúmulo de gizar um acordo para duas legislaturas, onde já só uma seria um ganho notável).

 4. É justamente esta capacidade ou este rol de capacidades que faltaram no caso grego e que podem levar a Grécia (e não só) para dias de grande incerteza e de ainda maior provação e dificuldade. O próximo ano será ano de eleições gerais em muitos, mesmo muitos países da Europa. Portugal e Espanha serão seguramente os dois casos mais frisantes do nosso ponto de vista nacional, mas muitos outros poderão influenciar o curso das nossas vidas e, em especial da vida europeia. Aquilo que se espera dos políticos de cada país é que sejam lúcidos e saibam pôr os desígnios dos cidadãos e de médio-prazo acima dos pequenos interesses partidários de cada contingência.

SIM. Filipe VI. A mensagem de Natal do Rei de Espanha, não esquecendo a prioridade do combate à corrupção, mostra que este novo protagonista pode dar um novo fôlego à vida política espanhola.

NÃO. Distribuição territorial dos fundos comunitários. A julgar pelas notícias que vêm a lume, Lisboa e Vale do Tejo foi, mais uma vez, privilegiada. A macrocefalia voltou a ganhar?

Eurodeputado do PSD (escreve à terça-feira)

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